A Aplicação das Normas Internacionais no Uso da Força e Armas de Fogo pelas Forças Policiais Angolanas
The Implementation of International Standards on the Use of Force and Firearms by the Angolan Police Forces
La Aplicación de las Normas Internacionales sobre el Uso de la Fuerza y Armas de Fuego por las Fuerzas Policiales Angoleñas
Autor: Armindo Feliciano Aurélio
Ministério do Interior.
Correio: armindoaurelio@hotmail.com
ORCID: https://orcid.org/0009-0009-4463-1190
Artigo de Revisão
RESUMO
O uso da força e das armas de fogo pelas forças policiais é um tema altamente relevante e actual, aplicável a todos os estados e suas respectivas corporações de polícia. Este é um campo complexo, pouco explorado, mas essencial, dado a interdependência entre a operacionalização do combate ao crime e a protecção dos direitos humanos. O contexto angolano, com sua legislação específica e adesão a tratados internacionais, fornece uma base para a análise dessa problemática. O objectivo principal deste estudo é esclarecer a política do Estado angolano no que diz respeito ao uso da força e das armas de fogo pelas forças policiais, tendo como referência a legislação nacional e os compromissos internacionais assumidos pelo país. A pesquisa se baseia em uma análise discursiva, complementada pela revisão de documentos jurídicos e doutrinários tanto nacionais quanto internacionais. A partir dessa análise, foram destacados os fundamentos jurídicos que sustentam a política de segurança pública em Angola, com ênfase no controle da aplicação da força e o uso de armas de fogo pelas autoridades policiais, respeitando os limites impostos pela legislação e os direitos fundamentais. A compreensão desta política é crucial para garantir um equilíbrio entre segurança pública e protecção dos direitos humanos.
Palavras-chave: Uso da força, armas de fogo, direitos humanos, segurança pública, Angola.
ABSTRACT
The use of force and firearms by law enforcement agencies is a highly relevant
and current topic, applicable to all states and their respective police forces.
This is a complex and underexplored area, yet essential, given the
interdependence between operational crime fighting and the protection of human
rights. The Angolan context, with its specific legislation and adherence to
international treaties, provides a basis for analyzing this issue. The main
objective of this study is to clarify the Angolan state's policy regarding the
use of force and firearms by police forces, referencing national legislation
and international commitments made by the country. The research is based on a
discursive analysis, complemented by the review of both national and
international legal and doctrinal documents. From this analysis, the legal
foundations supporting Angola’s public security policy were highlighted, with
an emphasis on controlling the application of force and the use of firearms by
police authorities, respecting the limits set by legislation and fundamental
rights. Understanding this policy is crucial for ensuring a balance between
public security and the protection of human rights.
Keywords: Use of force, firearms, human rights, public security, Angola.
RESUMEN
El uso de la fuerza y de armas de fuego por parte de las fuerzas policiales es
un tema altamente relevante y actual, aplicable a todos los estados y sus
respectivas fuerzas policiales. Este es un campo complejo, poco explorado, pero
esencial, dada la interdependencia entre la operación del combate al crimen y
la protección de los derechos humanos. El contexto angoleño, con su legislación
específica y adhesión a tratados internacionales, proporciona una base para
analizar este problema. El objetivo principal de este estudio es aclarar la
política del Estado angoleño en lo que respecta al uso de la fuerza y de armas
de fuego por parte de las fuerzas policiales, teniendo como referencia la
legislación nacional y los compromisos internacionales asumidos por el país. La
investigación se basa en un análisis discursivo, complementado con la revisión
de documentos jurídicos y doctrinales tanto nacionales como internacionales. A
partir de este análisis, se destacaron los fundamentos jurídicos que sustentan
la política de seguridad pública en Angola, con énfasis en el control de la
aplicación de la fuerza y el uso de armas de fuego por las autoridades
policiales, respetando los límites impuestos por la legislación y los derechos
fundamentales. Comprender esta política es crucial para garantizar un
equilibrio entre la seguridad pública y la protección de los derechos humanos.
Palabras clave: Uso de la fuerza, armas de fuego, derechos humanos, seguridad pública, Angola.
INTRODUÇÃO
As forças policiais angolanas utilizam a força e as armas de fogo exclusivamente em situações excepcionais, quando não há outros meios eficazes para cumprir suas funções constitucionais e missões especiais. Essas acções são fundamentadas na Constituição da República de Angola, nas leis nacionais e nos compromissos assumidos pelo país em tratados internacionais ratificados ou aderidos. Este artigo tem como objectivo analisar o uso da força e das armas de fogo pelas forças policiais angolanas, considerando o contexto legal e os princípios internacionais. A análise será centrada no impacto dessas práticas na vida dos cidadãos e nas instituições, além da responsabilidade dos agentes envolvidos. A pesquisa também aborda os fundamentos jurídicos que sustentam essa política, com ênfase na necessidade de equilibrar a segurança pública com os direitos humanos.
Angola é uma República soberana, baseada na dignidade humana e a vontade do povo, com o objectivo de construir uma sociedade justa, democrática, solidária e igualitária. A Constituição estabelece que o país tem vocação para a paz e o progresso, sendo responsabilidade do Estado e de todos os cidadãos garantir a paz e a segurança, respeitando a Constituição, as leis e os tratados internacionais. A Polícia Nacional e o Serviço de Investigação Criminal actuam dentro desse contexto democrático e legal, com a obrigação de cumprir suas funções em conformidade com a Constituição, as leis nacionais e os compromissos internacionais assumidos pelo Estado. (Constituição da República de Angola, 2010, art. 1º e 11º)
O principal objectivo deste artigo é esclarecer a política do Estado angolano sobre o uso da força e das armas de fogo pelas suas forças policiais, com base na legislação vigente e nos tratados internacionais. A pesquisa visa destacar os fundamentos jurídicos dessa política, bem como discutir as implicações para a segurança pública e os direitos humanos.
Para o desenvolvimento deste artigo, foi adoptado um método discursivo, com análise de documentos jurídicos e doutrinários, tanto nacionais quanto internacionais. A pesquisa incluiu uma revisão da legislação angolana, das políticas de segurança pública e dos tratados internacionais que regem o uso da força pelas autoridades policiais. Além disso, foram analisadas as implicações sociais e legais dessas práticas, considerando a responsabilidade dos agentes da lei em situações de uso da força.
DESENVOLVIMENTO
Os instrumentos internacionais sobre o uso da força e armas de fogo pelos responsáveis pela aplicação da lei reflectem os compromissos fundamentais com os direitos humanos, a legalidade e a protecção à vida. Fornecem directrizes claras para equilibrar a autoridade estatal e a dignidade humana, garantindo que a força seja empregada de forma proporcional, necessária e como último recurso. Entre esses instrumentos internacionais, destacam-se: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), o Código de Conduta para Encarregados da Aplicação da Lei (1979) e os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo (1990). Esses instrumentos estabelecem padrões éticos e operacionais que orientam a actuação policial em cenários críticos, promovendo transparência, responsabilidade e treinamento contínuo. Além disso, foram igualmente utilizados documentos regionais sobre a matéria, tais como as Directrizes de Luanda (2014), elaboradas pela Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, da União Africana, que reforçam essas normas no contexto africano, destacando a protecção de grupos vulneráveis e a supervisão independente. Esses marcos são essenciais para prevenir os possíveis abusos e fortalecer a confiança pública nas forças de segurança.
1. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adoptada pela Assembleia Geral da ONU em 1948, estabelece os direitos fundamentais a que todas as pessoas têm direito, independentemente de sua nacionalidade, etnia, religião ou qualquer outra condição. O documento reconhece a dignidade e os direitos iguais de todos os seres humanos, defendendo direitos civis e políticos, como o direito à vida, à liberdade, à segurança, à igualdade perante a lei, e à liberdade de expressão e reunião. A DUDH também abrange direitos económicos, sociais e culturais, incluindo o direito à educação, saúde e ao trabalho. Embora não seja juridicamente vinculante, a DUDH serve como um marco global, inspirando legislações e tratados internacionais sobre direitos humanos. Seu impacto é imenso, influenciando legislações nacionais e organismos internacionais a promover e proteger os direitos humanos em todo mundo.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948 estabelece uma análise abrangente dos direitos humanos essenciais, distribuídos em três categorias principais: direitos civis e políticos, direitos económico, sociais e culturais e direitos à igualdade e liberdade de expressão.
Direitos Civis e Políticos: A DUDH protege direitos fundamentais como o direito à vida, liberdade e segurança pessoal (art. 3), a igualdade perante a lei (art. 7), a liberdade de pensamento e expressão (art. 18 e 19) e o direito à reunião pacífica e associação (art. 20). Também proíbe práticas como tortura, tratamento cruel ou degradante (art. 5), e assegura a liberdade política, incluindo o direito ao voto (art. 21).
Direitos Económicos, Sociais e Culturais: inclui o direito ao trabalho, saúde, educação e segurança social (art. 22 e 23), e promove o acesso à cultura e participação na vida social (art. 27).
Direitos à Igualdade e Liberdade: A DUDH também enfatiza a igualdade de direitos sem discriminação, seja de raça, sexo, religião ou origem (art. 2 e 7), e destaca a importância de garantir a liberdade de opinião, educação e participação social para todos.
A análise dos direitos citados na DUDH reforça a ideia de que todos os indivíduos têm direitos inalienáveis, estabelecendo um conjunto de normas universais para garantir que cada ser humano possa viver com dignidade, liberdade e igualdade. A DUDH, embora não tenha força vinculante, foi um passo fundamental para a criação de tratados e políticas internacionais que visam garantir os direitos humanos globalmente.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e o uso de armas de fogo pelas forças policiais estão directamente interligadas, uma vez que os direitos fundamentais estabelecidos pela DUDH servem como um marco para orientar a actuação das autoridades, incluindo o uso da força, em especial o uso de armas de fogo. A correlação entre os dois pode ser estabelecida a partir dos princípios da necessidade, proporcionalidade e protecção à vida, conforme delineado na DUDH.
Direito à Vida e Protecção à Vida (art. 3): A DUDH assegura a todos o direito à vida e à segurança pessoal, princípios fundamentais que orientam o uso de armas de fogo pelas forças policiais. O uso de armas de fogo, conforme os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo das Nações Unidas (1990), deve ser uma medida excepcional, empregada apenas quando inevitável para proteger a vida (necessidade) e de forma proporcional à ameaça. Assim, o direito à vida é um princípio que limita severamente o uso de força letal, alinhando-se à DUDH, que proíbe acções que comprometam a integridade física e a vida, a menos que seja uma autodefesa ou defesa de outros contra uma ameaça iminente.
Proporcionalidade e Necessidade: A DUDH defende que qualquer acto de violência contra indivíduos, como tortura ou tratamento cruel (art.5), deve ser evitado. No contexto policial, isso implica dizer que a utilização de armas de fogo deve ser restrita a situações onde outros meios não-violentos não sejam eficazes. O uso de armas de fogo deve ser proporcional ao nível de ameaça, o que se alinha com o princípio da proporcionalidade na resposta da força.
Liberdade e Segurança pessoal (art. 9): A DUDH também assegura protecção contra prisões arbitrárias e abusos por parte das autoridades, o que inclui o uso excessivo ou não regulamentado de armas. Quando a força letal é utilizada sem justificativa adequada, como no caso de abusos policiais em manifestações ou em situações que não representam uma ameaça imediata à vida, os direitos à liberdade e à segurança pessoal são violados. Esse tipo de abuso infringe o espírito da DUDH, que exige que os direitos de todos sejam respeitados, sem discriminação ou violência desnecessária.
Responsabilidade e Prestação de Contas: Os Princípios Básicos sobre o Uso da Força destacam que os responsáveis pelo usos excessivos de armas de fogo devem ser responsabilizados e submetidos a investigações independentes, para serem inocentados, caso tenha eito uso das armas de fogo, com base na lei ou responsabilizados, caso tenham tido excedido ou cometido excessos ou abusos. O que está em conformidade perfeita com os direitos à justiça e à prestação de contas. A DUDH estabelece que toda acção de violação de direitos humanos deve ser investigada, o que reforça a necessidade de transparência e responsabilidade nas práticas policiais.
Em resumo, a correlação entre a DUDH e o uso de armas de fogo pelas forças policiais baseia-se na protecção dos direitos fundamentais, principalmente o direito à vida e segurança, a limitação da violência ao estritamente necessário e proporcional, e a garantia de que as autoridades sejam responsabilizadas por abusos, respeitando a dignidade humana e prevenindo a violência injustificada.
2. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), adoptado pela ONU em 1966 e em vigor desde 1976, é um tratado fundamental que protege os direitos civis e políticos essenciais, como o direito à vida, liberdade, privacidade, e liberdade de expressão. Assegura a liberdade de reunião pacífica e a protecção contra prisões arbitrárias e tratamentos cruéis, além de garantir o direito ao devido processo legal. O Pacto estabelece que os Estados signatários devem tomar medidas para garantir esses direitos, enquanto proíbe discriminação e assegura protecção para minorias. Embora permita algumas restrições temporárias durante emergências, o Pacto exige que essas medidas sejam compatíveis com o direito internacional dos direitos humanos, com realce para respeito pela dignidade humana.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) reconhece e protege:
Direito
à Reunião Pacífica: protege o direito de
manifestação (art. 21) e exige que intervenções respeitem a legalidade e
proporcionalidade.
Direitos
Fundamentais: inclui proibição de tortura (art. 7), liberdade de
pensamento (Art. 18) e protecção contra prisões arbitrárias (art. 9).
Mecanismos
de Monitoramento: os Estados são obrigados a relatar as
medidas implementadas ao Comissão dos Direitos Humanos da ONU.
3. O Código de Conduta para Encarregados da Aplicação da Lei (1979) foi adoptado pela Assembleia Geral das Nações Unidas com o objectivo de estabelecer um conjunto de normas éticas e operacionais para guiar as acções dos agentes de segurança pública, assegurando que suas actividades respeitem os direitos humanos e a legalidade. Este código reforça a importância de uma conduta profissional e responsável, exigindo que os agentes cumpram rigorosamente a lei e protejam os direitos e a dignidade das pessoas. Além disso, o Código enfatiza que a força deve ser usada apenas quando estritamente necessário e proporcional à situação, prevenindo abusos como tortura, maus-tratos e discriminação. Ao promover a integridade, a transparência e a prestação de contas, o Código de Conduta é um documento fundamental para assegurar que a aplicação da lei ocorra de maneira ética e justa, contribuindo para a confiança pública nas instituições de segurança.
O Código de Conduta para Encarregados da Aplicação da Lei (1979) estabelece:
Legalidade
e Ética:
as acções devem ser embasadas na lei e alinhadas aos direitos humanos.
Uso
da Força:
apenas quando estritamente necessário e em níveis proporcionais.
Proibição
de Tortura: vedada qualquer forma de tortura ou tratamento
degradante.
Prestação
de Contas: visa garantir a transparência e supervisão sobre as acções
dos agentes.
4. Os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Responsáveis pela Aplicação da Lei, adoptados em 1990, representam um marco no esforço global para garantir que as operações policiais e de segurança sejam conduzidas com respeito aos direitos humanos e à dignidade da vida. Estes princípios oferecem orientações fundamentais sobre quando e como a força pode ser empregada de forma legítima, estabelecendo limites claros para evitar abusos e promover práticas responsáveis. Reconhecendo que o uso da força é uma medida extrema, os princípios enfatizam a necessidade de proporcionalidade, a priorização da protecção à vida, a responsabilização dos agentes e o treinamento adequado, promovendo a segurança tanto para os agentes quanto para o público. A aplicação desses princípios é essencial para equilibrar a autoridade estatal e os direitos fundamentais, prevenindo violações e fortalecendo a confiança nas forças de segurança:
Necessidade
e Proporcionalidade: exige que a força deve ser empregada
como último recurso e de forma proporcional à ameaça enfrentada.
Protecção
à Vida:
prioriza a preservação da vida humana, permitindo o uso letal apenas em casos
inevitáveis para proteger a sua vida em legitima defesa e a de outras pessoas.
1. Responsabilidade e Prestação de Contas: os agentes devem ser responsabilizados por abusos e uso excessivo da força.
2. Treinamento e Equipamento: com ênfase para capacitação no uso de técnicas não letais.
5. As Directrizes de Luanda (2014), elaboradas pela Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos estabelecem uma conexão clara com o uso de armas de fogo no contexto da actuação policial nos países africanos, promovendo práticas que respeitam os direitos humanos e minimizam abusos. A correlação pode ser analisada sob três principais pilares presentes nas directrizes:
1º. Legalidade e Proporcionalidade: as directrizes impõem restrições rigorosas para o uso de força letal, estabelecendo que as armas de fogo só devem ser usadas em situações inevitáveis e proporcionais à ameaça. No contexto policial africano, isso significa que o uso de armas de fogo deve ser reservado para defesa de vidas e nunca deve ser uma solução primária. Essa orientação busca garantir que as forças policiais ajam dentro dos limites da lei, respeitando os princípios de necessidade e proporcionalidade, fundamentais na protecção dos direitos humanos, conforme estabelecido pelos Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo (1990).
2º. Prevenção e Monitoramento: A prevenção do uso excessivo de força e o monitoramento independente são essenciais nas Directrizes de Luanda. A ênfase no treinamento contínuo dos agentes da lei, incluindo o uso adequado de armas de fogo, visa garantir que os polícias estejam preparados para lidar com situações de crise sem recorrer a força letal, sempre que possível. Além disso, a supervisão independente assegura que os abusos sejam investigados e punidos, garantindo a responsabilidade no uso de armas de fogo. A transparência e o controle social são fundamentais para manter a confiança pública nas forças de segurança.
3º. Protecção de Grupos Vulneráveis: As Directrizes de Luanda destacam a importância de garantir a protecção de grupos vulneráveis, como mulheres, crianças e idosos, em qualquer operação policial. A utilização de armas de fogo contra essas populações deve ser evitada sempre que possível, reflectindo um compromisso com a dignidade humana e com a protecção de direitos fundamentais. No contexto africano, isso exige que os polícias sejam capacitados para identificar e minimizar riscos em situações envolvendo grupos vulneráveis, com um foco especial na proporcionalidade do uso de força, em conformidade com os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.
Esses princípios estão alinhados as abordagens globais e regionais sobre o uso de armas de fogo, criando um ambiente onde as forças policiais, ao serem melhor treinadas e monitoradas, possam garantir a segurança pública sem recorrer ao uso excessivo da força, protegendo os direitos fundamentais de todos os cidadãos, especialmente em contextos de manifestações ou situações de vulnerabilidade.
Caracterização da Polícia Nacional Angolana (PNA)
A Policia de qualquer Estado democrático e de direito, como a da República de Angola, reveste-se de grande importância, na garantia do cumprimento das leis, na preservação da ordem e tranquilidade públicas, protecção das instituições do Estado, dos seus bens e dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, contra todo tipo de ameaças e risco, desde o seu surgimento nos Estados.
A palavra Polícia de acordo com Raposo (2006 p, 21) tem origem na palavra grega politeia, relacionada com à polis, que designa a constituição, o ordenamento, o regime ou a forma de governo da cidade, estado, envolvendo o regime dos cidadãos, que são, dentre os membros destas, aqueles de participam na vida política”.
A Polícia Nacional, é a instituição nacional policial, permanente, regular e apartidária, organizada na base da hierarquia e da disciplina, incumbida da protecção e asseguramento policial do País, no estrito respeito pela Constituição e pelas leis, bem como pelas convenções internacionais de que Angola seja parte” (artigo 210º, da Constituição da República de Angola, 2010. p.80)
“É uma instituição nacional policial, permanente, regular e apartidária, organizada na base da hierarquia e da disciplina, incumbida da protecção e asseguramento policial do País, no estrito respeito pela Constituição e pelas leis, bem como pelas convenções internacionais de que Angola seja parte” (artigo 210º, da Constituição da República de Angola, 2010. p.80)
A definição mais detalhada de Polícia Nacional, é a que refere que: “é o órgão executivo central dotado de forças e serviços, ao qual compete assegurar a ordem e tranquilidade públicas, a defesa da legalidade democrática, o respeito pelo regular exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, a prevenção da criminalidade, a protecção das fronteiras, colaborar na execução da política de defesa nacional, nos termos da lei, bem com reprimir transgressões”(artigo 15º, do Estatuto Orgânico do Ministério do Interior. Decreto Presidencial, nº 3218, 2018, p.350)
O Serviço de Investigação Criminal (Polícia criminal ou judiciária) de Angola), é definido pelo seu regulamento orgânico como sendo: ” órgão executivo central do Ministério do Interior, com autonomia administrativa e de gestão orçamental, que constitui o corpo superior de polícia criminal e judiciária ao qual compete e cabe executar as políticas e medidas legislativas destinadas a investigar indícios de crimes, adopta os meios de prevenção e repressão da criminalidade realizar a instrução preparatória dos processos-crime da sua competência e efectuar detenções, revistas, buscas e apreensões, perícias e exames, nos termos da lei” (ponto 1, do artigo 1, Regulamento do SIC, Decreto Legislativo Presidencial nº 21/2017, p. 3556).
Uma outra interessante definição sobre investigação criminal, preceitua que : “O Serviço de Investigação Criminal- é o órgão executivo central ao qual cabe executar as políticas e medidas legislativas destinadas a investigar indícios de crimes, a adoptar os meios de prevenção repressão da criminalidade, do crime organizado, o tráfico de estupefacientes, a corrupção, do crime económico e financeiro e demais crimes contra as pessoas e contra a propriedade, realizar a instrução preparatória dos processos-crime em todas as causas de sua competência e efectuar detenções, revistas, buscas e apreensões, nos termos da lei”(artigo 16º, do Estatuto Orgânico do Ministério do Interior. Decreto Presidencial, nº 218, 2018, p. 350)
Dever-se-á entender por segurança pública - o estado de normalidade de um Estado, que permite aos cidadãos viver em paz, e usufruírem de direitos, liberdade e garantias fundamentais que lhes assistem e que permitem as instituições vocacionadas para o efeito, o cumprimento de seus deveres fundamentais, segundo a doutrina brasileira sobre a matéria.
É importante acrescentar ao exposto, os princípios constantes dos tratados internacionais, que Angola ratificou ou aderiu, que de conformidade perfeita com a legislação angolana, que dispõe: “os tratados internacionais regularmente aprovados ou ratificados vigoram na ordem jurídica angolana após a sua publicação oficial e entrada em vigor na ordem jurídica internacional e enquanto vincularem internacionalmente o Estado angolano” (artigo 13º, Constituição da República de Angola, 2010, p. 9
Principio – é uma palavra de latina primeiro, que significa, a base mais importante da origem de algo ou de uma operação dedutiva, como sua condição necessária
Força- é a “faculdade de operar, agir ou mover-se; robustez, serve de meios usados para obrigar a algo…; forte capacidade de acção de algo (Dicionário. Língua Portuguesa, p.1346)
Arma- é “todo instrumento ou objecto, cortante, perfurante ou contundente, usado para alcançar um determinado fim, que pode ser ameaçar, matar, ferir ou espancar.
Fundamentos jurídicos da República de Angola sobre uso da força e de armas de fogo pelas forças policiais
Referindo-se de forma sintética as atribuições da Policia Nacional e as do Serviço de Investigação criminal, a Constituição refere, que: “a garantia da ordem tem por objectivo a defesa da segurança e tranquilidade públicas, o asseguramento e protecção das instituições, dos cidadãos e respectivos bens e dos seu direitos e liberdades fundamentais, contra a criminalidade violenta ou organizada e outro tipo de ameaças e riscos, no estrito respeito pela Constituição, pelas leis e pelas convenções internacionais deque Angola seja parte “ (artigo 209, Constituição da República de Angola, 2010, p.80).
A Polícia Nacional, tem como missão primordial, no âmbito do sistema de segurança nacional: “ garantir a manutenção da ordem, o combate à criminalidade segurança interna e a tranquilidade públicas, o asseguramento e protecção das instituições, o exercício dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos contra a criminalidade, bem como colaborar na execução da política de defesa nacional, nos termos da constituição e da lei (artigo 3º, nº.1, lei nº6/20, De Bases sobre a Organização e Funcionamento da Policia Nacional, p. 2278).
A actividade que exercem, a Policia Nacional e o Serviço de Investigação Criminal, baseia-se na constituição, na lei em outros tipo de actos normativos, entre os quais figura os respectivos regulamentos orgânicos e tratados internacionais, aderidos e ratificados pela República de Angola.
“A actividade de segurança nacional deve pautar-se pela observância das regras de política e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais e pelos demais princípios do Estado democrático de direito” (artigo 2º, da lei 12/02, de Segurança Nacional, 2012/12, p.728.
Princípios Básicos sobre o Uso da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei-
De conformidade a lei de Bases sobre a Organização e Funcionamento, a Policia Nacional Angolana, tem os seguintes princípios de actuação:
Princípio da legalidade, principio da proporcionalidade, principio da necessidade; principio da legalidade, princípio da boa fé, principio da imparcialidade e da neutralidade, principio da probidade administrativa, principio da colaboração com os particulares, princípio da aproximação dos serviços aos cidadãos, principio da prossecução do interesse público, principio da integridade e responsabilidade, principio da cortesia e urbanidade, principio da reservo e da discrição, principio da parcimónia, princípio da lealdade às instituições e aso superiores interesses do Estado, principio da participação comunitária, principio da eficácia eficiência, principio da comunicação e o principio da gratuitidade (lei nº 6/20, de Bases sobre a Organização e Funcionamento da Polícia Nacional, p, 2279 e 2280).
Conforme preceitua o respectivo estatuto orgânico “A Polícia Nacional, rege-se pela:” Constituição da República de Angola, pelo presente Estatuto, pela legislação aplicável à natureza das suas atribuições, bem como pelas convenções internacionais de que Angola seja parte” (artigo 2º, nº 7, Estatuto Orgânico da Policial Nacional)”
Os Princípios Básicos sobre a Utilização da força e armas de fogo pelas forças policiais, são resumidos em:
1º Princípio da necessidade
Exige que o uso da força e de armas de fogo da Policia Nacional, deve ocorrer somente quando com os outros meios não for possível alcançar os objectivos previamente estabelecidos na Constituição, na lei, em outros actos normativos e nos instrumentos internacionais sobre a matéria ratificados ou aderidos pela República de Angola
O artigo 3º do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da lei, preceitua que: “esses funcionários só podem utilizar a força quando for estritamente necessário e somente na medida exigida para o desempenho das suas funções”
2º Princípio da legalidade
O uso da força e de armas de fogo pelas forças policiais, deverá observar rigorosamente o que está previsto e tipificado ou seja o que está autorizado pela legislação, e com a observância das exigências nelas estabelecidas e nos instrumentos internacionais, que fazem parte do ordenamento jurídico de Angola
3º Principio da Proporcionalidade
Exige que o uso da força e de armas da Policia Nacional, deverá estar de acordo com as dimensões da ameaça e da resistência: da quantidade de força utilizada pelos criminosos a enfrentar, bem como dos bens em risco a serem protegidos pelas forças policias
4º Princípio de asseguramento da prestação de assistência e socorros médicos às pessoas feridas ou afectadas.
Quando for possível, quer dizer sem perigo para a vida e integridade corporal dos membros das forças policiais, elas são obrigadas a prestarem os primeiros socorros as vítimas dos incidentes tácticos e operativos decorridos nas suas operações
5º Principio da responsabilidade (ou controle posterior).
Após o uso da força e de armas de fogo policiais- exige-se a prestação de contas, para o conhecimento e avaliação superior do que sucedeu: as circunstâncias (meio ambiente), as causas, o modus operandi, os agentes implicados e as vítimas.
Caso seja apurado ter havido excessos ou o uso abusivo da força, os seus autores (membros da Polícia) serão responsabilizados pelos actos praticados, por que de harmonia com o artigo 23º da Constituição da República de Angola “todos os cidadãos são iguais perante a lei”.
Mais caso tenham agido de acordo com a lei, são elogiados pela exemplar conduta de proteger a vida e a integridade os cidadãos, que estavam em perigo, bem como os seus bens e as instituições do Estado, contra os actos criminosos.
Consta do preâmbulo do documento em análise, que as Nações Unidas recomendam aos Estados: “os Princípios Básicos para acção e aplicação a nível nacional, regional e sub-regional, tendo em conta a necessidade do reforço da protecção dos direitos humanos e as tradições políticas, económicas, sociais e culturais de cada país.
Conforme preceitua o respectivo estatuto orgânico “A Polícia Nacional, rege-se pelo:” Constituição da República de Angola, pelo presente Estatuto, pela legislação aplicável à natureza das suas atribuições, bem como pelas convenções internacionais de que Angola seja parte” (artigo 2º, nº 7, Estatuto Orgânico da Policial Nacional)”
CONCLUSÕES
As conclusões apresentadas no presente artigo científico, reflectem a adesão de Angola a uma abordagem jurídica sólida e progressista, fundamentada na Constituição, nas leis internas e nos tratados internacionais ratificados.
O artigo destaca que, embora existam casos isolados de abuso, a política do Estado angolano permanece comprometida com o respeito aos direitos humanos e a segurança pública, responsabilizando adequadamente os agentes envolvidos em excessos. Além disso, o uso da força é orientado por princípios rigorosos de necessidade, legalidade e proporcionalidade, com ênfase no treinamento e na responsabilidade legal.
Essas conclusões reafirmam o compromisso da Polícia Nacional de Angola em agir dentro dos parâmetros estabelecidos, buscando sempre o equilíbrio entre a segurança pública e os direitos fundamentais.
RECOMENDAÇÕES
As recomendações visam fortalecer a actuação das forças policiais angolanas e melhorar a sua relação com a sociedade, ao mesmo tempo que garantem o respeito pelos direitos humanos.
Considerar que a capacitação contínua dos agentes, tanto em termos técnicos quanto científicos, é fundamental para melhorar o desempenho e a confiança da sociedade nas instituições de segurança.
Recomenda-se ser essencial expandir os recursos disponíveis para as forças policiais, incluindo infra-estrutura, tecnologia e transporte, a fim de optimizar suas operações.
Outra recomendação importante é a priorização de medidas preventivas no combate à criminalidade, que se mostram mais eficazes do que as medidas repressivas no fortalecimento da confiança pública e na redução do uso excessivo da força.
No âmbito legal, é sugerida a continuidade da produção legislativa e doutrinária sobre o uso da força e das armas de fogo necessário para proteger os direitos de todos os cidadãos e garantir a actuação responsável das autoridades.
É apresentada a recomendação de promover-se debates amplos sobre esse tema, para que a população esteja bem informada e possa evitar ser manipulada por interesses políticos ou comerciais que busquem manchar a imagem da polícia.
Em suma, essas recomendações são cruciais para criar um ambiente de segurança pública mais eficiente, respeitoso e responsável em Angola.
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