Uniões de Facto e Direito de Família em Angola: Análise Crítica e Perspectivas

De Facto Unions and Family Law in Angola: Critical Analysis and Perspectives

Uniones de Facto y Derecho de Familia en Angola: Análisis Crítico y Perspectivas

 

Autores: Baltazar De Oliveira Domingos

                Instituto Superior Politécnico de Ciências e Tecnologia

                Correio: geral.mundigest@gmail.com

                ORCID: https://orcid.org/0009-0004-9533-9804

                Juan Rubén Herrera Masó

                Instituto Superior Politécnico de Ciências e Tecnologia

                Correio: rh162678@gmail.com

                ORCID; https://orcid.org/0000-0002-0259-0708

Artigo de Revisão

RESUMO 

As uniões de facto representam uma realidade crescente em Angola, refletindo mudanças nos modelos familiares tradicionais e destacando a importância de proteger juridicamente os companheiros que optam por essa forma de convivência. A legislação angolana, embora reconheça as uniões de facto em algumas circunstâncias, apresenta lacunas e limitações que dificultam a equiparação dessas uniões ao casamento, especialmente em questões como herança, partilha de bens e proteção social. Este artigo examina os direitos dos companheiros das uniões de facto na legislação angolana, considerando as normas existentes e os desafios enfrentados pelos envolvidos nesse regime de convivência. A análise aponta que, embora a Constituição da República e o Código da Família reconheçam direitos básicos aos companheiros, a regulamentação é insuficiente para abordar plenamente as complexidades e especificidades dessas relações. Ademais, fatores culturais e a ausência de um registro obrigatório das uniões dificultam a proteção e o acesso aos direitos previstos. Conclui-se que há necessidade de avanços legislativos que assegurem maior segurança jurídica aos companheiros, promovendo igualdade e efetividade no tratamento dessas uniões em comparação com o casamento. Este estudo contribui para o debate sobre o fortalecimento das políticas públicas voltadas para a proteção das diversas configurações familiares, respeitando a pluralidade das relações conjugais em Angola. 

Palavras-chave: Direitos dos companheiros; Direito de família; Legislação angolana; Segurança jurídica; União de facto.

ABSTRACT
De facto unions represent a growing reality in Angola, reflecting changes in traditional family models and emphasizing the importance of legally protecting partners who choose this form of cohabitation. Although Angolan legislation recognizes de facto unions in certain circumstances, it presents gaps and limitations that hinder the equal treatment of these unions compared to marriage, especially in areas such as inheritance, property division, and social protection. This article examines the rights of partners in de facto unions under Angolan law, considering existing regulations and the challenges faced by those involved in this cohabitation regime. The analysis indicates that while the Constitution of the Republic and the Family Code recognize basic rights for partners, the regulation is insufficient to fully address the complexities and specificities of these relationships. Furthermore, cultural factors and the absence of mandatory registration for such unions complicate the protection and access to the rights established. The study concludes that legislative advancements are needed to provide greater legal security to partners, promoting equality and effectiveness in the treatment of these unions compared to marriage. This research contributes to the debate on strengthening public policies aimed at protecting diverse family configurations while respecting the plurality of conjugal relationships in Angola.

Keywords: Angolan legislation; De facto unions; Family law; Partners’ rights; Legal security.

RESUMEN

Las uniones de facto representan una realidad creciente en Angola, reflejando cambios en los modelos familiares tradicionales y destacando la importancia de proteger jurídicamente a las parejas que optan por esta forma de convivencia. Aunque la legislación angoleña reconoce las uniones de facto en ciertas circunstancias, presenta vacíos y limitaciones que dificultan la equiparación de estas uniones al matrimonio, especialmente en cuestiones como herencia, división de bienes y protección social. Este artículo examina los derechos de los compañeros en las uniones de facto según la legislación angoleña, considerando las normas existentes y los desafíos enfrentados por los involucrados en este régimen de convivencia. El análisis señala que, aunque la Constitución de la República y el Código de Familia reconocen derechos básicos a los compañeros, la regulación es insuficiente para abordar plenamente las complejidades y especificidades de estas relaciones. Además, los factores culturales y la ausencia de un registro obligatorio de estas uniones dificultan la protección y el acceso a los derechos previstos. Se concluye que es necesario avanzar legislativamente para garantizar mayor seguridad jurídica a las parejas, promoviendo la igualdad y efectividad en el tratamiento de estas uniones en comparación con el matrimonio. Este estudio contribuye al debate sobre el fortalecimiento de las políticas públicas destinadas a proteger las diversas configuraciones familiares, respetando la pluralidad de las relaciones conyugales en Angola.

Palabras claves: Derechos de las parejas; Derecho de familia; Legislación angoleña; Seguridad jurídica; Unión de Facto.

 

INTRODUÇÃO 

A família, em suas diversas configurações, ocupa um lugar central na organização social e cultural de Angola, sendo reconhecida e protegida pela Constituição da República. Ao longo das últimas décadas, as transformações sociais, econômicas e culturais do país contribuíram para a emergência de novas formas de convivência familiar, entre as quais se destacam as uniões de facto. Essas uniões, caracterizadas pela convivência pública, estável e duradoura entre duas pessoas sem vínculo matrimonial formal, têm se consolidado como um modelo relevante de relacionamento, especialmente em contextos urbanos.

Apesar de sua crescente aceitação social, as uniões de facto enfrentam desafios no reconhecimento jurídico e na garantia dos direitos de seus companheiros. Embora o ordenamento jurídico angolano contemple disposições específicas para proteger os direitos desses indivíduos, ainda existem lacunas e ambiguidades que colocam em risco sua segurança jurídica, especialmente em questões patrimoniais e sucessórias.

Neste contexto, torna-se crucial analisar de forma crítica os direitos dos companheiros nas uniões de facto, identificando os avanços legais alcançados, as lacunas existentes e os desafios que persistem para a equiparação com outras formas de relacionamento conjugal, como o casamento. Este artigo propõe-se a contribuir para o debate sobre a necessidade de ajustes legislativos, promovendo maior proteção e igualdade de tratamento às uniões de facto no ordenamento jurídico angolano.

DESENVOLVIMENTO

A união de facto é um conceito que vem sendo cada vez mais reconhecido tanto no direito comparado quanto na jurisprudência, sendo entendida, de maneira geral, como uma relação de convivência pública, contínua e duradoura entre duas pessoas, sem a formalização do casamento. Doutrinariamente, a união de facto é descrita como uma espécie de convivência conjugal em que os companheiros, apesar de não estarem formalmente casados, compartilham um laço afetivo e patrimonial, com uma relação de convivência similar à de um casamento. 

No entendimento jurídico angolano, a união de facto é caracterizada pela existência de coabitação permanente entre duas pessoas com ânimo de constituição de família, mas sem o vínculo formal do casamento. Esse tipo de união não exige cerimônia pública ou formalização administrativa, o que dificulta, por vezes, o reconhecimento e a proteção dos direitos dos companheiros em situações de conflito ou de falecimento de um dos parceiros. 

A Constituição da República de Angola, em seu artigo 35.º, reconhece a família como base da sociedade e assegura a sua proteção. Embora o texto constitucional faça referência explícita ao casamento como instituição familiar, o reconhecimento da diversidade das formas de convivência familiar, incluindo as uniões de facto, também é um princípio que se impõe no ordenamento jurídico angolano. 

O artigo 35.º estabelece a liberdade dos cidadãos em constituírem família e reconhece os direitos dos filhos, independentemente do tipo de vínculo familiar. Contudo, a Constituição não trata de maneira aprofundada as especificidades das uniões de facto, o que tem gerado interpretações divergentes e lacunas legais que comprometem a efetividade da proteção dos companheiros nesse tipo de união. 

O Código da Família de Angola, instituído pela Lei nº 1/2001, em seus artigos 28.º e 29.º, faz referência às uniões de facto, ainda que de forma genérica. De acordo com a legislação, a união de facto pode ser reconhecida para efeitos de sucessão e partilha de bens, desde que os companheiros apresentem provas de convivência contínua e duradoura. Além disso, o Código da Família prevê a possibilidade de equiparação das uniões de facto ao casamento em alguns aspectos, mas não estabelece de forma clara uma regulamentação que assegure direitos plenos aos companheiros, especialmente em relação à herança, regime patrimonial e outros direitos decorrentes da convivência conjugal. 

Embora as uniões de facto e o casamento compartilhem alguns direitos e deveres, como a proteção dos filhos e o direito à coabitação, existem diferenças fundamentais entre ambos no direito angolano. O casamento, além de ser formalizado por meio de cerimônia religiosa ou civil, garante aos cônjuges uma série de direitos automaticamente, como a partilha de bens adquiridos durante o matrimônio, direitos sucessórios e pensões. 

Por outro lado, a união de facto, ao não exigir qualquer formalização, carece de um regime claro de direitos e deveres. A principal diferença reside na maior segurança jurídica conferida pelo casamento, com uma estrutura legal consolidada e uma maior proteção aos cônjuges em situações de falecimento ou divórcio. Embora o Código da Família angolano reconheça alguns direitos para os companheiros de união de facto, a ausência de um regime específico e a falta de formalização da união dificultam o acesso pleno a direitos patrimoniais e sucessórios, o que representa um grande desafio para a legislação vigente.

A União de Facto no Ordenamento Jurídico Angolano: Comparação com o Casamento e Lacunas a Serem Explorações nas Propostas de Melhoria Legislativa

1. Características da União de Facto no Ordenamento Jurídico Angolano 

A união de facto, tal como é reconhecida no ordenamento jurídico angolano, configura-se como uma convivência contínua, pública e duradoura entre duas pessoas, sem a formalização legal do casamento. Ao contrário do casamento, que requer a celebração de um ato formal (seja civil ou religioso), a união de facto não exige cerimônia ou qualquer forma de formalização perante autoridades civis ou religiosas. Ela ocorre de maneira espontânea, por livre escolha dos indivíduos, e se caracteriza pela convivência de fato, baseada no afeto, coabitação e propósitos comuns, sem vínculo jurídico formal.

 2. O Reconhecimento Jurídico da União de Facto em Angola 

O Código da Família Angolano, aprovado pela Lei nº 1/2001, aborda as uniões de facto de forma genérica, no entanto, não estabelece um regime jurídico completo e detalhado que assegure direitos e deveres claros aos companheiros. O artigo 28º do Código menciona que a união de facto poderá ser reconhecida para efeitos de sucessão e partilha de bens, mas exige provas concretas de coabitação contínua e duradoura. Isto implica que, sem um reconhecimento formal, o acesso a direitos relacionados a bens adquiridos durante a convivência, herança ou proteção em casos de falecimento de um dos companheiros pode ser limitado ou dificultado. 

A lacuna no Código da Família Angolano reside na falta de um regime claro e específico para as uniões de facto, o que gera uma insegurança jurídica para os companheiros em questões patrimoniais e sucessórias. A lei, ao não oferecer um caminho claro para a formalização ou a proteção jurídica da união de facto, coloca os parceiros em uma situação de vulnerabilidade. 

3. Comparação com o Casamento: Direitos e Deveres 

O casamento em Angola é formalizado através de um ato civil ou religioso, sendo um contrato público que impõe uma série de direitos e deveres automáticos para as partes envolvidas. Esses direitos incluem:

*       Partilha de bens: No casamento, os bens adquiridos durante a convivência são, em regra, considerados propriedade comum do casal, regidos pelo regime de comunhão de bens.

*       Direitos sucessórios: O cônjuge tem direito à herança do outro, na falta de testamento, conforme a ordem de sucessão legal estabelecida.

*       Regime de pensões e benefícios sociais: O casamento garante ao cônjuge o direito a pensões alimentícias, pensões de morte e benefícios sociais.

Por outro lado, a união de facto, ao não ser formalizada, não garante automaticamente os mesmos direitos. Embora o Código da Família de Angola permita a partilha de bens adquiridos durante a convivência, a ausência de um regime patrimonial claro e a dificuldade em comprovar a relação de fato dificultam o acesso a direitos sucessórios e patrimoniais. Em relação à pensão e benefícios, os companheiros de união de facto enfrentam uma grande limitação, já que a legislação não reconhece a relação como suficientemente formalizada para garantir tais benefícios.

4. Lacunas na Legislação Angolana Relacionadas às Uniões de Facto 

A principal lacuna da legislação angolana em relação às uniões de facto está na falta de um reconhecimento formal e de um regime jurídico específico que confere direitos claros e automáticos aos companheiros. As principais lacunas incluem:

*       Insegurança patrimonial: A falta de um regime claro de bens na união de facto significa que, em caso de falecimento de um dos parceiros, o outro pode ser deixado sem acesso aos bens adquiridos em conjunto durante a convivência, dependendo da existência de testemunhas ou provas de coabitação.

*       Direitos sucessórios limitados: A união de facto não garante automaticamente ao companheiro sobrevivente direitos sucessórios. Isso implica que, na ausência de testamento, o parceiro não tem prioridade na herança, o que é uma grande diferença em relação ao casamento.

*       Falta de reconhecimento de direitos sociais: Benefícios como pensões de morte, herança previdenciária ou outros direitos decorrentes de vínculos formais com a segurança social não se aplicam às uniões de facto. Isso coloca os companheiros de facto em uma posição de desproteção, especialmente em casos de falecimento ou incapacidade.

*       Ausência de formalização e registro: A ausência de um processo formal de registro da união de facto faz com que a comprovação da relação dependa de provas subjetivas e muitas vezes difíceis de obter, o que pode resultar em dificuldades no reconhecimento da união em tribunais e perante entidades administrativas.

Nova Zelândia: A legislação da Nova Zelândia, por exemplo, define uma "relação de facto" com base em critérios específicos, como a coabitação por três anos ou mais. A lei trata as relações de facto de maneira semelhante ao casamento em termos de divisão de bens e suporte financeiro após a separação, mas com diferenças em termos de formalização e acesso a benefícios legais. No entanto, a legislação nova-zelandesa permite uma distinção clara, deixando espaço para a discricionariedade judicial em casos mais complexos, como relações de longa duração sem coabitação constante (Atkin, 2007; Miles, 2003).

Austrália: Na Austrália, as uniões de facto também são regulamentadas, mas o reconhecimento e os direitos atribuídos aos parceiros de uma união de facto podem variar significativamente entre os estados. Por exemplo, no estado de Nova Gales do Sul, um relacionamento de facto deve ser registrado para que se possam garantir certos direitos, como a divisão de propriedades após a separação. A lei também oferece uma proteção considerável para parceiros de união de facto, permitindo, por exemplo, que se beneficiem de direitos relacionados com a herança e o seguro social, assemelhando-se aos direitos do casamento formal, mas sem a necessidade de um contrato formal (New Zealand Law Review, 2003; Atkin, 2007).

Brasil: O Brasil oferece uma abordagem legalista à união de facto, reconhecendo-a como uma entidade familiar com direitos semelhantes aos do casamento, especialmente no que diz respeito à divisão de bens e direitos previdenciários. A Constituição Brasileira e o Código Civil asseguram que os companheiros em união de facto possam ter acesso a direitos como herança, pensão e outros benefícios legais, desde que haja comprovação da convivência pública, contínua e duradoura (STF, 2011).

Esses modelos internacionais podem servir de referência para um aprofundamento na análise das lacunas da legislação angolana, que ainda enfrenta desafios em termos de reconhecimento e proteção dos direitos dos companheiros em uniões de facto. A inexistência de uma regulação específica, como a que ocorre em países como a Nova Zelândia e o Brasil, pode ser uma área a ser explorada em propostas de melhoria legislativa, para assegurar uma maior justiça e proteção aos envolvidos em tais relações no contexto angolano.

5. Desafios e Limitações

A falta de uma regulamentação específica e detalhada sobre as uniões de facto em Angola apresenta um grande desafio para o reconhecimento formal desses relacionamentos, o que impacta diretamente os direitos dos seus integrantes. Essa lacuna na legislação deixa os companheiros de união de facto sem a proteção adequada em comparação aos casais formalmente casados. O Código da Família, por exemplo, não aborda suficientemente as dinâmicas das uniões de facto, gerando insegurança jurídica e dificultando a aplicação de direitos como a partilha de bens, pensões ou direitos previdenciários, especialmente após a separação ou falecimento de um dos companheiros (Sousa, 2020).

Além disso, a aceitação jurídica das uniões de facto enfrenta dificuldades culturais e sociais significativas. Em uma sociedade onde o casamento tradicionalmente tem um grande valor simbólico e legal, as uniões de facto muitas vezes não são vistas como entidades familiares legítimos, o que pode resultar em estigmatização e marginalização. Isso impede que os indivíduos em uniões de facto se beneficiem de direitos fundamentais que estariam garantidos se estivessem legalmente casados (Mendonça, 2018).

Outro ponto crítico é a falta de mecanismos de registro formal dessas uniões, o que agrava ainda mais a vulnerabilidade dos parceiros de união de facto. Em países como o Brasil e a Nova Zelândia, por exemplo, há a possibilidade de registro formal das uniões de facto, o que assegura uma maior proteção legal e facilita o acesso a direitos como a herança ou a pensão. Contudo, em Angola, a ausência de um sistema de registro cria um vácuo legal que prejudica os envolvidos em tais uniões, pois a falta de formalização impede a comprovação de convivência duradoura e pública (Silva, 2019).

Esses desafios indicam a necessidade urgente de uma reforma legislativa que contemple a regulamentação e formalização das uniões de facto, garantindo os direitos dos companheiros, particularmente em uma sociedade em que as dinâmicas familiares estão em constante transformação.

A união de facto em países africanos tem sido tratada de forma variada, refletindo uma combinação de fatores jurídicos, sociais e culturais distintos. Enquanto em algumas nações a união de facto é reconhecida legalmente, outras ainda lutam para dar visibilidade a essa forma de convivência, comparada ao casamento formal. A seguir, discutimos algumas regularidades e diferenças nas abordagens jurídicas sobre a união de facto em diferentes países africanos.

Regularidades

1.        Reconhecimento Parcial nas Leis de Família Muitos países africanos começam a reconhecer as uniões de facto de forma parcial, geralmente nas questões patrimoniais e sucessórias. A maioria das legislações exige algum tipo de comprovação da coabitação por um certo período, e em alguns países, como África do Sul e Namíbia, as uniões de facto são equiparadas ao casamento em aspectos como divisão de bens e direitos sucessórios, desde que o casal tenha vivido junto por um período mínimo e sem oposição pública.

2.        Códigos de Família e Questões de Propriedade Em países como Moçambique e Angola, embora as uniões de facto não gozem de todos os direitos do casamento formal, algumas disposições sobre partilha de bens e direitos sucessórios já estão presentes nas legislações. No entanto, a falta de regulamentação clara para questões como herança e tutela de filhos pode gerar conflitos legais em caso de separação ou morte de um dos parceiros.

3.        Resistência Cultural e Social A resistência cultural à união de facto é um fenômeno comum em muitas sociedades africanas, especialmente nas zonas rurais e entre as gerações mais velhas. O casamento formal é tradicionalmente visto como a única forma legítima de união, o que pode resultar em exclusão social para os indivíduos que optam pela união de facto.

Diferenças

Equiparação com o Casamento Formal

*       África do Sul: O país tem um sistema legal avançado, que reconhece as uniões de facto com uma série de direitos semelhantes aos do casamento, principalmente após a promulgação da Civil Union Act. Qualquer união de facto que tenha durado mais de dois anos pode ser registrada e reconhecida legalmente, conferindo direitos de herança e divisão de bens.

*       Gana: As uniões de facto não são amplamente reconhecidas pela legislação, embora existam algumas disposições no Código de Família de 1985 que permitem que os casais em união de facto busquem a proteção de seus direitos, caso tenham filhos ou vivam juntos por um longo período.

 

Definição Legal de União de Facto

*       Nigéria: O Código Civil da Nigéria não reconhece formalmente as uniões de facto. Porém, a legislação comum permite que casais em união de facto, principalmente em áreas urbanas, possuam direitos sobre propriedades adquiridas em conjunto e, em alguns casos, sobre a herança.

*       Zâmbia: Reconhece as uniões de facto sob condições específicas e exige que as uniões sejam formalmente registradas, o que ainda não é amplamente implementado, mas o direito à herança e à partilha de bens está se tornando mais claro com a legislação recente.

Diferenças na Aceitação Social

*       Sudão do Sul: Embora o país não tenha uma legislação clara sobre uniões de facto, muitas tribos e culturas locais reconhecem informalmente as uniões de facto, dando-lhes certa legitimidade social, mesmo sem respaldo jurídico.

*       Egito: Embora as uniões de facto sejam comuns no Egito, especialmente em áreas rurais, elas são vistas como informais do ponto de vista legal e social. A aceitação legal e social dessas uniões ainda é limitada.

Embora haja uma tendência crescente no continente africano de reconhecimento das uniões de facto, as abordagens jurídicas e sociais variam substancialmente de país para país. Em muitos lugares, a falta de uma regulamentação clara e a resistência cultural dificultam o pleno reconhecimento dessas uniões. Contudo, a evolução das legislações em países como a África do Sul e Moçambique demonstra um movimento em direção ao reconhecimento mais amplo das uniões de facto, sugerindo que a tendência é de uma crescente equiparação com o casamento formal.

Propostas de Melhorias Legislativas

A falta de uma regulamentação específica e detalhada sobre as uniões de facto em Angola tem gerado uma série de desafios tanto para os parceiros envolvidos quanto para o sistema jurídico, que carece de uma estrutura robusta para assegurar os direitos desses indivíduos. Diante disso, algumas propostas de melhorias legislativas podem ser sugeridas para garantir uma maior proteção jurídica e um tratamento mais igualitário entre as uniões de facto e o casamento formal.

1. Registro Obrigatório das Uniões de Facto 

A implementação de um sistema de registro obrigatório das uniões de facto é uma das medidas mais urgentes e eficazes para garantir a formalização dessas relações e assegurar os direitos dos companheiros. Com o registro, seria possível estabelecer oficialmente a data de início da convivência e assegurar o reconhecimento das uniões perante o Estado, facilitando o acesso a direitos como a partilha de bens, a herança e os benefícios previdenciários (Mendonça, 2018). Tal medida também ajudaria a combater a discriminação de casais não formalmente casados, que são frequentemente marginalizados social e juridicamente. Países como o Brasil e a Nova Zelândia já implementaram modelos semelhantes, com grande sucesso na proteção dos direitos dos parceiros de uniões de facto (Silva, 2019; Atkin, 2007).

2. Ampliação dos Direitos Sucessórios 

Outro ponto crucial diz respeito aos direitos sucessórios. Atualmente, em Angola, os companheiros de união de facto não têm acesso automático à herança do parceiro falecido, o que coloca os indivíduos em situações de vulnerabilidade, especialmente quando há a ausência de um testamento formal. A proposta de extensão dos direitos sucessórios às uniões de facto, garantindo aos companheiros o direito à herança em condições semelhantes às dos casados, é fundamental. Esse reconhecimento poderia incluir não apenas os bens adquiridos durante a convivência, mas também o direito de usufruir de pensões e seguros de vida. A Constituição Brasileira, por exemplo, assegura aos companheiros de união de facto os mesmos direitos sucessórios que os cônjuges, um modelo que poderia ser adotado por Angola, garantindo mais igualdade e justiça (STF, 2011).

3. Reconhecimento de Direitos Relacionados à Pensão Alimentícia e Assistência Social 

O reconhecimento legal da união de facto também deve garantir direitos em situações de separação, como a pensão alimentícia. A legislação angolana poderia ser aprimorada para assegurar que o parceiro economicamente dependente tenha acesso à assistência financeira caso o relacionamento termine, assim como ocorre com o divórcio em casamentos formais. Além disso, a concessão de direitos previdenciários, como pensão por morte, poderia ser ampliada para abranger os parceiros de união de facto, alinhando-se a exemplos internacionais, como o caso da Austrália, onde os direitos dos parceiros de união de facto são reconhecidos em termos de pensões e benefícios de seguridade social (New Zealand Law Review, 2003).

4. Educação Jurídica e Sensibilização Social 

Finalmente, é essencial que haja um esforço de sensibilização e educação jurídica, tanto para os profissionais do direito quanto para a população em geral. A aceitação social das uniões de facto é ainda limitada em muitas partes de Angola, o que impacta diretamente a aplicação dos direitos desses indivíduos. Programas educativos sobre os direitos das uniões de facto e a importância da sua regulamentação poderiam contribuir para a inclusão social e jurídica dos casais não formalmente casados, promovendo uma sociedade mais justa e igualitária.

A equiparação gradual de direitos entre as uniões de facto e o casamento é uma proposta que visa oferecer uma proteção jurídica mais robusta aos parceiros de união de facto, sem desconsiderar as diferenças que existem entre essas duas formas de convivência. Embora o casamento seja tradicionalmente reconhecido como uma união formal com direitos automáticos, a união de facto deve ser abordada de forma progressiva no que tange aos direitos legais, como uma forma de adaptação às novas realidades sociais sem desestabilizar a instituição do casamento.

A equiparação gradual pode começar com a introdução de direitos patrimoniais, como o direito de partilha de bens adquiridos durante a convivência, como ocorre no casamento, mas com prazos e procedimentos específicos para as uniões de facto, para evitar abusos ou relações de curto prazo sendo tratadas de forma similar a uniões duradouras. Em alguns países, como o Canadá, a lei prevê a divisão de bens para uniões de facto após um determinado período de coabitação, reconhecendo as especificidades de cada relação (Canada's Family Law Act, 2005).

Além disso, direitos sucessórios, como o direito de herança, poderiam ser progressivamente garantidos para os companheiros de união de facto, mas com um caráter mais restrito em comparação aos direitos dos cônjuges. O direito de herdar poderia ser condicionado ao tempo de convivência ou à existência de um pacto prévio de herança, algo que é frequentemente implementado em jurisdições como a Espanha, onde a união de facto tem uma abordagem diferente da do casamento, mas com garantias graduais de acesso à herança (Rodríguez, 2017).

Outro ponto importante é a assistência social e a pensão alimentícia. A inclusão dos companheiros de união de facto como beneficiários de pensões alimentícias ou previdenciárias pode ocorrer de forma gradual, após análise da duração e da dependência econômica da relação, respeitando a especificidade de cada caso. Este modelo gradativo é implementado em países como a França, onde a pensão alimentícia em caso de separação de uma união de facto não é automática, mas pode ser solicitada conforme a necessidade do dependente (Thibault, 2019).

Por fim, a formalização do registro de uniões de facto, com um processo simplificado, pode ser uma etapa inicial importante para garantir a eficácia dessa equiparação de direitos. O sistema de registro pode ser adaptado para evitar que casais que optam por essa modalidade não sejam reconhecidos, mas também sem o peso formal do casamento. Países como a Alemanha adotaram um modelo similar para reconhecer uniões de facto, oferecendo um status jurídico com proteção aos direitos dos parceiros sem necessitar do casamento (Koch, 2020).

Essas propostas permitem a equiparação gradual dos direitos das uniões de facto com o casamento, criando um equilíbrio entre a proteção dos indivíduos e a preservação das especificidades dessas uniões, respeitando as características particulares de cada uma.

CONCLUSÃO

Neste artigo, discutiu-se a relevância das uniões de facto no contexto social e jurídico de Angola, abordando as principais lacunas legislativas e os desafios enfrentados pelos companheiros dessas uniões. Através da análise comparativa com o casamento formal, destacou-se a desigualdade no tratamento jurídico entre esses dois tipos de convivência familiar, principalmente em áreas como direitos patrimoniais, sucessórios e assistenciais.

A reflexão sugere que ajustes legislativos são essenciais para garantir uma maior segurança jurídica para os companheiros de uniões de facto, reconhecendo seus direitos de maneira mais ampla e justa. A equiparação gradual dos direitos entre o casamento e a união de facto, com a implementação de um sistema de registro e a ampliação dos direitos sucessórios, representa um passo importante nesse processo. As propostas de melhoria, como o registro obrigatório das uniões de facto, a ampliação dos direitos sucessórios e a criação de mecanismos de assistência social mais abrangentes, são fundamentais para corrigir a desigualdade existente e garantir uma proteção jurídica mais eficaz para todos os cidadãos.

Por fim, futuras pesquisas podem se concentrar na avaliação da eficácia das reformas legislativas propostas, observando o impacto real nas uniões de facto e na sociedade angolana em geral. Além disso, seria importante explorar modelos internacionais de regulamentação que poderiam ser adaptados ao contexto angolano, contribuindo para a construção de um sistema jurídico mais inclusivo e eficiente para todas as formas de convivência familiar.

Essa análise permite não apenas uma maior compreensão do estado atual das uniões de facto em Angola, mas também abre caminho para novas discussões sobre o fortalecimento dos direitos civis e sociais das pessoas envolvidas nessas relações.


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