Sobrelotação Hospitalar: Análise do Caso do Hospital Prisão de São Paulo em Luanda em 2024
Hospital Overcrowding: Analysis of the Case of the São Paulo Prison Hospital in Luanda in 2024
Hacinamiento hospitalario: Análisis del Caso del Hospital Penitenciario de São Paulo, en Luanda, en 2024
Autores: Lic. Esmeraldino Edgar Cusso Maleca
Instituto Superior Politécnico de Ciências e Tecnologia
ORCID: https://orcid.org/0009-0005-2226-0094
e-mail: malecaking@gmail.com
M.Sc. Irma Fuoman Arias
Instituto Superior Politécnico de Ciências e Tecnologia
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3624-8932
e-mail: irmafuoman66@gmail.com
Artigo original
RESUMO
Neste artigo se analisa os efeitos da sobrelotação no Hospital-Prisão São Paulo, em Luanda, no ano de 2024, com foco em parâmetros tais como a segurança, saúde e direitos humanos dos reclusos. A pesquisa foi motivada pela identificação de problemas críticos decorrentes da sobrelotação, que comprometem a qualidade dos serviços de saúde e violam os direitos fundamentais dos detentos, incluindo segurança, controle, saúde e bem-estar. O objectivo geral é avaliar os impactos da sobrelotação sobre os direitos dos reclusos, identificar as principais consequências e propor medidas mitigadoras. Metodologicamente, foi conduzida uma pesquisa de campo com abordagem mista, utilizando técnicas e instrumentos que permitiram a colecta de dados relevantes. Os resultados indicam que a sobrelotação afecta significativamente os parâmetros analisados, corroborando a necessidade de intervenções urgentes para melhorar as condições do hospital-prisão. Conclui-se que a sobrelotação não apenas compromete a saúde dos reclusos, mas também agrava questões de segurança e violações de direitos humanos, exigindo acções imediatas e eficazes.
Palavras-chave: Hospital-Prisão; Reclusos enfermos; Superlotação hospitalar; Direitos humanos; Saúde prisional.
ABSTRACT
This article analyzes the effects of overcrowding at the São Paulo Prison Hospital, in Luanda, in the year 2024, focusing on parameters such as the safety, health, and human rights of inmates. The research was motivated by the identification of critical problems resulting from overcrowding, which compromise the quality of health services and violate the fundamental rights of inmates, including safety, control, health and well-being. The overall objective is to assess the impacts of overcrowding on prisoners' rights, identify the main consequences and propose mitigating measures. Methodologically, a field research with a mixed approach was conducted, using techniques and instruments that allowed the collection of relevant data. The results indicate that overcrowding significantly affects the parameters analyzed, corroborating the need for urgent interventions to improve the conditions of the prison hospital. It is concluded that overcrowding not only compromises the health of prisoners, but also aggravates security issues and human rights violations, requiring immediate and effective action.
Keywords: Prison Hospital; Sick inmates; Overcrowding; Human rights; Prison health.
RESUMEN
Este artículo analiza los efectos del hacinamiento en el Hospital Penitenciario de São Paulo, en Luanda, en el año 2024, centrándose en parámetros como la seguridad, la salud y los derechos humanos de los reclusos. La investigación estuvo motivada por la identificación de problemas críticos derivados del hacinamiento, que comprometen la calidad de los servicios de salud y violan los derechos fundamentales de los reclusos, entre ellos la seguridad, el control, la salud y el bienestar. El objetivo general es evaluar los impactos del hacinamiento en los derechos de los reclusos, identificar las principales consecuencias y proponer medidas de mitigación. Metodológicamente, se realizó una investigación de campo con enfoque mixto, utilizando técnicas e instrumentos que permitieron la recolección de datos relevantes. Los resultados indican que el hacinamiento afecta significativamente los parámetros analizados, corroborando la necesidad de intervenciones urgentes para mejorar las condiciones del hospital penitenciario. Se concluye que el hacinamiento no solo compromete la salud de los reclusos, sino que también agrava los problemas de seguridad y las violaciones de los derechos humanos, lo que requiere una acción inmediata y efectiva.
Palabras clave: Hospital Penitenciario; Reclusos enfermos; Hacinamiento hospitalario; Derechos humanos; Sanidad penitenciaria.
INTRODUÇÃO
A garantia do direito à saúde é um princípio fundamental, aplicável a todos os indivíduos, independentemente de sua condição jurídico-penal. No entanto, em contextos prisionais, esse direito frequentemente é violado, especialmente em países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, onde a sobrelotação e a falta de recursos agravam as condições de vida e saúde dos reclusos. A sobrelotação em hospitais-prisões representa um desafio crítico, comprometendo não apenas a qualidade dos serviços de saúde, mas também os direitos humanos básicos dos reclusos, incluindo segurança, controle, saúde e bem-estar.
A Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) destacam que os reclusos, como seres humanos, têm direito a atendimento médico digno e de qualidade, essencial para sua sobrevivência e reintegração social. No entanto, a realidade em muitos países, incluindo Angola, é marcada pela falta de infra-estrutura, recursos humanos e políticas públicas eficazes para garantir esses direitos. A sobrelotação hospitalar em unidades prisionais, como o Hospital-Prisão São Paulo, agrava esses problemas, resultando em condições desumanas, aumento da violência e propagação de doenças entre os reclusos.
A sobrelotação existente no Hospital-Prisão São Paulo de Luanda representa um problema complexo, cuja análise exige uma abordagem aprofundada. Neste artigo se explora como a sobrelotação influencia não apenas a saúde e o bem-estar dos detidos, mas também as dinâmicas criminais dentro da instituição
A análise permite uma compreensão mais ampla dos factores que perpetuam a sobrelotação e suas consequências, revelando como as políticas penais e de saúde interagem, muitas vezes de maneira conflituosa, resultando em um ambiente propício ao agravamento das condições de detenção.
Este estudo tem a finalidade de avaliar os efeitos da sobrelotação no Hospital-Prisão São Paulo, em Luanda, no ano de 2024, com foco nos direitos dos reclusos. A pesquisa busca identificar as principais causas e consequências da sobrelotação, propondo medidas para mitigar seus efeitos negativos. A abordagem metodológica incluiu uma pesquisa de campo com métodos mistos, combinando técnicas qualitativas e quantitativas para colectar dados junto a profissionais de saúde, guardas prisionais, reclusos e gestores do hospital.
A relevância deste artigo reside na sua contribuição para a compreensão dos desafios enfrentados em hospitais-prisões, especialmente em contextos de sobrelotação, e na proposição de soluções que possam melhorar as condições de saúde e segurança dos reclusos. Além disso, o trabalho busca alertar para a necessidade de políticas públicas que garantam o respeito aos direitos humanos e a dignidade dos detentos, alinhando-se às directrizes internacionais e à legislação nacional, como a Lei Penitenciária angolana (Lei n.º 8/08, de 29 de Agosto de 2008).
Segundo Lima e Cordeiro (2014), Hospital-Prisão é o nome dado às unidades sanitárias que têm como principal finalidade receber, acompanhar e tratar reclusos que estejam a padecer de alguma enfermidade durante o período em que cumpre a sua sentença.
Para Bittencourt; Hortale (2009) citados por Silva et al. (2020), a superlotação hospitalar consiste em um fenómeno frequente em todo o mundo; caracteriza-se, de maneira geral, pela ocupação total de camas do serviço hospitalar, clientes enfermos acomodados em áreas como corredores, prolongamento no tempo de espera, tensão na equipa assistencial e pressão para novos atendimentos.
De modo geral, a sobrelotação hospitalar caracteriza-se pela sobrecarga estrutural das instituições de saúde, que ultrapassam sua capacidade operacional de oferecer acomodação adequada, atendimento humanizado e tratamento médico eficaz. Essa condição reflecte não apenas a excedência física de camas, mas também a incapacidade de garantir padrões mínimos de qualidade, seja pela escassez de recursos médicos e medicamentosos, seja pela insuficiência de profissionais para responder de forma pontual e eficiente à demanda. Trata-se de um desafio global, que afecta tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento, comprometendo a sustentabilidade dos sistemas públicos de saúde.
Nesse cenário, a sobrelotação carcerária emerge como um grave problema social em Angola, com repercussões que transcendem o sistema prisional e impactam a sociedade como um todo. O fenómeno intensifica-se gradualmente, agravado por factores como o crescimento desproporcional da população carcerária, a lentidão processual e a precariedade de infra-estruturas penitenciárias. Conforme evidenciam estudos nacionais, essa realidade não apenas viola os princípios de dignidade humana previstos na Constituição da República de Angola (Artigo 36.º) e na Lei Penitenciária (Artigo 6.º), mas também reproduz, no âmbito prisional, as mesmas dinâmicas críticas observadas nos hospitais: falta de acesso a cuidados básicos, deterioração das condições sanitárias e risco de propagação de doenças.
Manuel (2019) ressalta a existência de um arcabouço jurídico alinhado com padrões internacionais, como a Constituição da República de Angola (2010), que garante no Artigo 36.º, n.º 3 a protecção da dignidade humana dos reclusos, e a Lei Penitenciária (Artigo 6.º, n.º 2), que reforça o respeito aos direitos fundamentais. Contudo, a prática contrasta com a teoria: o aumento da população carcerária, a escassez de profissionais de saúde e a insuficiência de unidades hospitalares agravam a sobrelotação, conforme documentam estudos locais.
Assim, tanto a sobrelotação hospitalar quanto a carcerária configuram-se como faces de um mesmo desafio estrutural: a incapacidade do Estado em harmonizar políticas públicas com as demandas populacionais, gerando ciclos de exclusão e violação de direitos fundamentais.
Conforme o Relatório de Direitos Humanos das Nações Unidas (2023), 67% das unidades prisionais angolanas operam acima de sua capacidade máxima, agravando riscos de surtos de tuberculose e desnutrição.
Indicadores de Superlotação
A sobrelotação hospitalar em hospitais prisionais em Angola é definida por uma combinação de parâmetros quantitativos e qualitativos, que reflectem tanto a capacidade física das instalações quanto a qualidade dos serviços prestados. Esses critérios são influenciados por padrões internacionais de direitos humanos e por normas legais angolanas.
Em Angola a sobrelotação hospitalar é medida pelo número de detentos por metro quadrado em alas hospitalares, seguindo referências como as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (Regras Nelson Mandela, (2015)), que recomendam espaço mínimo de 5,5 m² por pessoa. Também a sobrelotação é medida a partir da proporção profissionais de saúde/pacientes. A Organização Mundial da Saúde (OMS) sugere um mínimo de 1 médico para cada 1.000 pacientes em contextos críticos. Em Angola, a escassez de médicos e enfermeiros agrava a sobrelotação funcional.
Normas Internacionais e Legislação Angolana
a) Referências globais
• Regras Nelson Mandela (ONU, 2015): estabelecem que presos devem ter acesso a cuidados de saúde equivalentes aos disponíveis à população geral (Regra 24).
• Declaração de Kampala (União Africana, 2019): recomenda adaptação de sistemas prisionais africanos para garantir saúde e dignidade.
b) Legislação angolana
• Constituição da República de Angola (2010). O Artigo 36.º garante direitos fundamentais, incluindo saúde, a todos os cidadãos, inclusive reclusos e o Artigo 58.º assegura acesso a serviços de saúde pública.
• Lei Penitenciária (Lei n.º 14/22). O Artigo 6.º: determina que o tratamento penitenciário deve respeitar a dignidade humana.
De acordo com o Estatuto Orgânico do Hospital-Prisão São Paulo de Luanda, abreviadamente designado por HPSP, um dos principais indicadores de sobrelotação nesta unidade é a incapacidade de atender à demanda, o que contraria os padrões de cuidados de enfermagem e avaliação dos cuidados prestados. Outros factores incluem a escassez de camas, médicos, enfermeiros, assistentes de enfermagem, técnicos de laboratórios e outros profissionais de saúde.
A sobrelotação nos sistemas carcerários em todo o mundo, especialmente nos hospitais-prisões, gera uma série de implicações para diferentes sectores da sociedade. Esse problema afecta directamente as entidades governamentais responsáveis pela gestão dessas unidades de saúde prisionais, os funcionários que nelas trabalham, os familiares dos agentes dos serviços prisionais que, em alguns casos, também atendem essas instituições, além dos próprios reclusos, que se encontram na condição de pacientes. Além disso, a sociedade como um todo também é impactada, uma vez que o sistema prisional tem como função primordial a reabilitação.
Materiais e Métodos
Para atingir o objectivo proposto, foi realizada uma revisão bibliográfica aprofundada sobre o tema, com a análise de estudos e pesquisas relacionadas à sobrelotação hospitalar em hospitais de prisão. Também foi realizada uma pesquisa de campo no Hospital-Prisão São Paulo, em Luanda, no periodo de Maio- Junho de 2024, com a aplicação de questionários aos profissionais de saúde, guardas prisionais e reclusos e entrevistas ao pessoal de direcção, a fim de colectar dados qualitativos e quantitativos sobre o tema.
A pesquisa que sustenta o presente artigo abrange uma pluralidade de métodos, tanto do nível teórico ou de abordagem como empíricos ou de procedimentos, a seguir uma síntese dos mesmos:
Análise-síntese: devido ao grande volume de dados gerados inicialmente, foi necessário estabelecer relações entre as fontes de informação, o que facilitou o estabelecimento de etapas, dimensões e indicadores relacionados ao fenómeno da sobrelotação hospitalar de reclusos. A fase de Análise e Síntese buscou organizar informações sobre a sobrelotação em instituições hospitalares prisionais, determinar suas causas no Hospital-Prisão São Paulo, em Luanda, no ano de 2024, e as consequências desse fenómeno.
Dedutivo-indutivo: este método permitiu partir do conhecimento geral sobre sobrelotação em instituições hospitalares prisionais para situações específicas, aplicando teorias e leis para reduzir a ocorrência de fenómenos particulares. Inversamente, também permitiu partir de dados específicos sobre sobrelotação hospitalar no Hospital-Prisão São Paulo para inferir uma verdade geral ou universal.
Hipotético-dedutivo: este método permitiu identificar lacunas nos conhecimentos disponíveis sobre a análise criminológica da sobrelotação hospitalar em instituições prisionais. Formulou-se hipóteses para explicar o fenómeno ou problema em estudo e, posteriormente, buscou-se evidências empíricas para validá-las ou refutá-las.
Observação directa: como técnica permitiu realizar um diagnóstico fáctico objectivo sobre a situação real, em relação às causas e consequências para os reclusos da sobrelotação no Hospital-Prisão São Paulo, em Luanda, no ano 2024.
Questionário: aplicado como técnica para levantar informação confiável ao pessoal de saúde, efectivos dos serviços prisionais afectos ao Hospital-Prisão São Paulo e os reclusos.
Entrevista: como técnica para ter uma percepção do critério de funcionários da direcção do hospital.
Triangulação metodológica: permitiu analisar pontos em comum e diferenças nos critérios recolhidos, a partir das diferentes técnicas aplicadas.
População e amostra
De modo geral, a população em estudo está constituída por todos os funcionários pertencentes ao Hospital-Prisão São Paulo, que abrangem profissionais de saúde, funcionários da direcção e efectivos dos serviços prisionais num total de 400, bem como os 250 reclusos na condição de enfermos encontrados no período em referência, fazendo um total de 650 elementos.
Fizeram parte da amostra, 14 profissionais de saúde, 16 detentos, 4 funcionários da direcção do hospital e 20 efectivos dos serviços prisionais, todos eles afectos ao Hospital-Prisão São Paulo, totalizando 54 participantes, sendo 41 do género masculino e 13 feminino.
Para a selecção da amostra utilizou-se a técnica de amostragem não probabilística por quota, seleccionando uma representação proporcional aos estratos, mas baseado na vontade de colaborar com a investigação.
Resultados
O Hospital-Prisão São Paulo, em Luanda, localiza-se no município de Luanda, Distrito Urbano do Rangel, Bairro Rangel, Rua Monção, Casa s/n.º. A sua estrutura funcional compreende consultórios, enfermarias, laboratórios, Raio X, Bloco operatório, farmácia, banco de urgência e tem uma capacidade de 200 reclusos para o internamento.
Atende reclusos provenientes de todos os Estabelecimentos Penitenciários do país, quando localmente não se consegue dar o tratamento necessário, pois os Postos Médicos existentes em todos os Estabelecimentos Penitenciários são para os primeiros socorros. Garante três (3) refeições diárias aos reclusos, e no caso dos pacientes com tuberculose lhes é adicionada mais duas refeições (lanches), devido aos fármacos que lhes são administrados, tendo em conta a sua recuperação.
De acordo o seu Estatuto Orgânico, o Hospital-Prisão São Paulo, é um Estabelecimento Penitenciário Especial, que tem como objecto fundamental o internamento e tratamento médico de indivíduos que se encontram em cumprimento das medidas privativas de liberdade, bem como do efectivo do Serviço Penitenciário e seus familiares, inserido no Subsistema Nacional de Saúde e do Ministério do Interior.
A seguir apresentam-se os resultados da entrevista realizada com quatro funcionários da direcção do hospital que permitiu identificar factores que contribuem para a sobrelotação, incluindo infra-estrutura inadequada, falta de médicos e enfermeiros, escassez de medicamentos e insumos hospitalares, e má gestão dos recursos. Além disso, o excesso de reclusos em prisão preventiva e a ausência de unidades hospitalares semelhantes agravam o problema.
O processo de triagem nos serviços de emergência foi avaliado como deficiente, com problemas estruturais, falta de organização e morosidade, comprometendo o atendimento adequado dos pacientes. A falta de camas foi outro ponto crítico identificado, o que leva muitos reclusos a ficarem no chão dos corredores, evidenciando a incapacidade da instituição de suprir a demanda.
A sobrelotação impacta directamente a qualidade do atendimento, gerando desequilíbrio entre a capacidade instalada e a necessidade dos pacientes, o que contribui para a escassez de recursos humanos e materiais. Além disso, foi estabelecida uma relação entre sobrelotação e aumento da mortalidade, uma vez que a pressão sobre os profissionais e a necessidade de acelerar o atendimento comprometem o cuidado necessário para evitar óbitos.
Os entrevistados sugeriram medidas para reduzir a sobrelotação, como a construção de novas unidades hospitalares, a contratação de mais profissionais da saúde, o aprimoramento dos materiais hospitalares e a melhoria das condições nos estabelecimentos prisionais. Essas ações poderiam proporcionar um atendimento mais adequado e digno aos reclusos.
Os resultados do inquérito por questionário aplicado ao pessoal de saúde do Hospital -Prisão São Paulo, distribuídos em médicos, enfermeiros, assistentes de enfermaria e técnicos de laboratório são apresentados a continuação.
A avaliação da infra-estrutura hospitalar revelou opiniões mistas. A maioria dos profissionais considerou as condições "boas" (57,1%), embora uma parcela significativa tenha apontado problemas, classificando-a como "má" (28,5%) ou "razoável" (14,2%). Esse factor está directamente relacionado à segurança e controle dos reclusos.
Sobre a existência de sobrelotação, 71,4% dos inquiridos afirmaram que o hospital enfrenta esse problema, enquanto 28,5% indicaram uma percepção intermediária. A sobrelotação afecta a qualidade do atendimento: 64,2% dos profissionais acreditam que há um impacto negativo, enquanto 21,4% consideram que a influência é moderada e 14,2% não veem efeito directo.
Os principais problemas que contribuem para a sobrelotação incluem a escassez de profissionais de saúde (28,5%), falta de medicamentos e insumos hospitalares (21,4%), atrasos na transferência de pacientes para outros serviços (21,4%), e má gestão dos recursos hospitalares (28,5%). Esses factores combinados comprometem a eficiência do atendimento e geram sobrecarga no sistema.
A seguir apresentam-se os resultados do inquérito por questionário aplicado a 20 efectivos dos serviços prisionais.
A infra-estrutura hospitalar foi amplamente avaliada como inadequada pelos participantes. A maioria (85%) considerou-a "má", enquanto 15% classificaram-na como "razoável". Nenhum dos inquiridos avaliou a estrutura como "boa" ou "muito boa", evidenciando um cenário crítico em relação às condições físicas da unidade.
Todos os participantes (100%) reconheceram a existência de sobrelotação no hospital, demonstrando um consenso absoluto sobre a gravidade do problema. Além disso, também foi unanimemente apontado que essa sobrelotação afecta negativamente a qualidade do atendimento, reforçando a necessidade de medidas urgentes para melhorar as condições hospitalares.
Os principais factores que contribuem para a sobrelotação incluem:
Os resultados do questionário indicam um cenário preocupante no Hospital-Prisão São Paulo, evidenciando a necessidade de intervenções estruturais, gestão eficiente dos recursos e fortalecimento da equipe de saúde para garantir um atendimento digno e adequado.
Nos dados seguintes apresenta-se os critérios dos reclusos doentes recolhidos através de um questionário.
A avaliação da infra-estrutura hospitalar pelos reclusos mostrou uma percepção predominantemente negativa. 37,5% classificaram a infra-estrutura como "muito má" e 18,7% como "má", enquanto 12,5% consideraram-na "razoável". Apenas 25% dos reclusos avaliaram as condições como "boas" e 6,2% como "muito boas". Esses dados indicam que, na percepção dos internos, há fragilidades significativas na estrutura do hospital.
Em relação à sobrelotação, 62,5% dos reclusos afirmaram que o hospital está superlotado, enquanto 18,7% negaram essa condição e outros 18,7% tiveram uma percepção intermediária ("mais ou menos"). Isso sugere que, embora a maioria reconheça a sobrelotação como um problema real, há divergências de opinião entre os internos.
Sobre atrasos no atendimento devido à sobrelotação, 62,5% dos reclusos relataram vivenciar esses atrasos, enquanto 31,2% afirmaram que não sofreram impactos directos e 6,2% relataram atrasos ocasionais. Esses números reforçam a ideia de que a sobrelotação interfere na qualidade do atendimento, afectando o tempo de resposta aos pacientes.
Os resultados do questionário evidenciam a necessidade de melhorias na infra-estrutura hospitalar, na gestão do fluxo de pacientes e na eficiência do atendimento, a fim de garantir condições adequadas de saúde aos internos.
Discussão
Tendo em conta os dados apresentados, vale ressaltar que as respostas fornecidas pelos inquiridos, convergem com diversos estudos realizados que indicam que existem múltiplas causas e/ou factores que estão na base do fenómeno sobrelotação em unidades hospitalares.
É importante ressaltar os critérios dos reclusos doentes que não apresentam critérios agressivos sobre a infra-estrutura hospitalar e os serviços prestados. Não podemos esquecer-nos de outros factores que poderiam estar na base de tais respostas. Um destes factores é certamente a subjectividade, ou seja, as avaliações foram feitas individualmente e tendo em conta a percepção de cada detento. Partindo deste princípio, importa realçar que tais percepções são influenciadas pela qualidade dos serviços médicos ou hospitalares das unidades de proveniência, no entanto segundo as respostas dos inquiridos a situação na verdade não é considerada de muito grave, há critérios inclusive de boa e muito boa, contradizendo o observado na pesquisa de campo.
Triangulação dos Instrumentos de Recolha de dados utilizados
Com base nos dados apresentados, pode-se fazer uma triangulação entre as percepções dos directivos, do pessoal de saúde, do pessoal dos serviços prisionais e dos reclusos sobre as condições do Hospital-Prisão São Paulo, em Luanda. A seguir uma análise comparativa:
Infra-estrutura Hospitalar
Pessoal de Saúde: a maioria considera a infra-estrutura como "boa" (57,1%) ou "razoável" (14,2%). Apenas uma pequena parte classifica como "muito boa" (7,1%) ou "má" (28,5%).
Pessoal dos Serviços Prisionais: 85% avaliam a infra-estrutura como "má", e 15% como "razoável", sem avaliações positivas.
Reclusos: as percepções são mais variadas. A infra-estrutura foi classificada como "muito má" por 37,5%, "má" por 18,7%, "boa" por 25%, e "muito boa" por 6,2%.
Superlotação
Pessoal de Saúde: 71,4% indicaram que o hospital está superlotado, e 64,2% acreditam que isso impacta negativamente a qualidade do atendimento.
Pessoal dos Serviços Prisionais: todos (100%) confirmaram a existência de sobrelotação e o impacto negativo na qualidade do atendimento.
Reclusos: 62,5% reconheceram a sobrelotação, enquanto 31,2% experimentaram atrasos no atendimento devido a ela.
Disponibilidade de Camas
Pessoal de Saúde: Classificam a disponibilidade de camas como "muito má" (28,5%) ou "má" (21,4%), com 28,5% considerando "razoável".
Reclusos: A percepção é similar, com "muito má" (37,5%) e "má" (31,2%) dominando as respostas.
Problemas Contribuintes para a Superlotação
Pessoal de Saúde: os principais factores incluem escassez de profissionais de saúde (28,5%), má gestão (28,5%), e falta de medicamentos (21,4%).
Pessoal dos Serviços Prisionais: apontaram unanimemente (100%) os mesmos problemas, sugerindo uma visão alinhada entre os grupos.
Conclusões da Triangulação
Infra-estrutura: existe uma discrepância significativa entre a percepção dos profissionais de saúde (mais positiva) e dos serviços prisionais (maioritariamente negativa). Os reclusos apresentam uma opinião intermediária.
Superlotação: há consenso entre os grupos sobre a existência de sobrelotação e seu impacto no atendimento, embora os reclusos também relatem atrasos específicos.
Problemas Sistémicos: a falta de recursos humanos, má gestão e escassez de insumos são consistentemente apontadas como os maiores problemas.
Essa triangulação indica que, enquanto os profissionais de saúde podem ter uma percepção mais optimista em relação à infra-estrutura, a sobrelotação e os problemas sistémicos são reconhecidos por todos os grupos, afectando a qualidade do atendimento.
Sugestões para Diminuir a Superlotação Hospitalar no Hospital-Prisão São Paulo de Luanda
A sobrelotação hospitalar é um desafio significativo que afecta a qualidade do atendimento e os direitos humanos dos reclusos, visto em:
A sobrelotação pode aumentar a tensão e a violência entre os reclusos, dificultando o controle dos funcionários e comprometendo a segurança do ambiente prisional.
Condições de sobrelotação podem levar a uma má higiene, propagação de doenças e falta de cuidados médicos adequados, afectando directamente a saúde dos reclusos.
A sobrelotação pode sobrecarregar o sistema prisional, resultando em custos elevados, falta de recursos e dificuldades na implementação de programas de reabilitação eficazes.
A sobrelotação pode ser vista como uma violação dos direitos humanos dos reclusos, levando a condições de detenção inaceitáveis e a um ambiente degradante.
A sobrelotação pode afectar a reintegração dos reclusos na sociedade, já que condições inadequadas de detenção podem dificultar a recuperação e a adaptação após a liberação.
Para enfrentar esse problema, existem várias estratégias que podem ser adoptadas, neste trabalho só se apresenta, o que no critério dos autores, pode contribuir para diminuir os efeitos da sobrelotação no Hospital-Prisão São Paulo:
Aproveitar todo o espaço disponível em função de aumentar o número de camas. Esta medida garante que mais pacientes possam ser internados, especialmente em momentos de alta demanda, como surtos epidémicos ou emergências. Trata-se de fazer, segundo o espaço, a melhor e mais racional distribuição possível de camas, respeitando o espaço mínimo entre elas.
A utilização do quintal do hospital
Adoptar tecnologias avançadas pode optimizar o atendimento e a gestão hospitalar. Ferramentas como prontuários electrónicos, sistemas de monitorização remota e inteligência artificial para triagem e diagnósticos rápidos podem melhorar a eficiência e liberar recursos para atender mais pacientes.
Treinar e capacitar as equipes médicas e administrativas para uma gestão mais eficiente dos recursos e do tempo. Uma gestão eficiente das equipes pode reduzir atrasos e melhorar a qualidade do atendimento, resultando em menor tempo de permanência dos pacientes no hospital.
Além disso, criar equipas multidisciplinares pode optimizar o uso dos recursos disponíveis.
Analisar e optimizar o percurso do paciente dentro do hospital, desde a admissão até a alta, pode identificar gargalos e implementar melhorias. Um fluxo de paciente bem estruturado assegura que cada etapa do atendimento seja realizada de forma rápida e eficiente, reduzindo o tempo de espera e a sobrelotação.
Analisar como os pacientes são admitidos, transferidos e liberados pode revelar gargalos e oportunidades de melhoria.
Melhorar a infra-estrutura hospitalar é crucial. Isso inclui equipamentos, instalações físicas e manutenção adequada. Podem-se acrescentar no quintal
Além disso, pode considerar-se a expansão de áreas críticas, como unidades de terapia intensiva (UTIs).
Fortalecer os serviços de atenção primária pode reduzir a necessidade de hospitalizações. O cuidado preventivo e a gestão de doenças crónicas na comunidade diminuem as emergências hospitalares, aliviando a pressão sobre os hospitais.
Reduzir o tempo necessário para obter resultados de testes e exames pode acelerar o diagnóstico e o tratamento, diminuindo o tempo de internação dos pacientes e liberando camas mais rapidamente. Isso permite que os médicos tomem decisões mais rápidas e eficientes.
Formar e manter equipas de alto desempenho clínico, com profissionais altamente qualificados e especializados, pode garantir um atendimento mais eficaz e eficiente. Estas equipas podem manejar casos complexos de forma mais rápida, liberando recursos para outros pacientes.
É importante salientar de que não existe uma solução única para a sobrelotação hospitalar nos hospitais prisão. Uma abordagem multifacetada, combinando várias estratégias, é essencial para enfrentar esse desafio complexo.
CONCLUSÕES
Com base no diagnóstico fáctico realizado e na análise dos dados colectados, conclui-se que:
Portanto, os resultados desta pesquisa corroboram a relevância de intervenções urgentes e coordenadas para mitigar os impactos da sobrelotação, promovendo melhorias significativas no bem-estar dos reclusos e na eficiência dos serviços de saúde. Ao cumprir os objectivos estabelecidos, este estudo contribui com informações valiosas para o debate académico e para a formulação de políticas públicas voltadas à humanização do sistema prisional e à garantia de direitos fundamentais.
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