O Exame Criminológico da Personalidade no Processo de Ressocialização em Angola: Entre a Teoria Legal e a Realidade Penitenciária Angolana
The Criminological Personality Assessment in the Resocialization Process in Angola: Between Legal Theory and the Angolan Penitentiary Reality
El Examen Criminológico de la Personalidad en el Proceso de Resocialización en Angola: Entre la Teoría Legal y la Realidad Penitenciaria Angoleña
Autoras: Elisa Albano Baptista
Licenciada em Ciências Criminais
Instituto Superior Politécnico de Ciências e Tecnologia
E-mail: elisaalbanobaptista@gmail.com
Orcid: https://orcid.org/0009-0003-9880-6677
Irma Fuoman Arias
Mestre em Ciências da Educação
Instituto Superior Politécnico de Ciências e Tecnologia
E-mail: irmafuoman66@gmail.com
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3624-8932
Artigo de revisão
RESUMO
O sistema penitenciário angolano enfrenta desafios significativos, como a sobrelotação, a subcultura prisional e a carência de equipamentos de segurança, o que frequentemente resulta na violação dos direitos dos reclusos durante o cumprimento da pena. A legislação prevê diferentes regimes prisionais — fechado, semiaberto e aberto — conforme o progresso do recluso no processo de reintegração. Contudo, a ausência de formação específica de muitos servidores penitenciários compromete a eficácia dos programas de ressocialização. Um dos instrumentos fundamentais para essa reintegração é o exame criminológico da personalidade, que permite compreender o recluso para além do acto criminoso, considerando factores internos e externos que influenciam seu comportamento. Este exame é aplicado no momento da entrada do indivíduo no estabelecimento prisional e serve de base para o planeamento de um percurso de ressocialização ajustado às suas características pessoais. A partir dele, é possível encaminhar o recluso para programas adequados de trabalho, ocupação produtiva e apoio psicológico, contribuindo para a individualização da pena e a tomada de decisões quanto à progressão ou regressão no regime prisional. Angola conta com cerca de 40 estabelecimentos penitenciários, classificados em diferentes categorias, o que reforça a necessidade de critérios técnicos e personalizados na gestão da pena. O exame criminológico, portanto, revela-se essencial para garantir uma abordagem humanizada e eficaz da reintegração social dos reclusos, por meio da acção de comissões técnicas interdisciplinares encarregues de orientar e monitorar os processos de execução penal.
Palavras-Chave: Estabelecimento Prisional; Exame criminológico; Recluso; Ressocialização; Sistema Penitenciário.
ABSTRACT
The Angolan penitentiary system faces significant challenges such as overcrowding, prison subculture, and a lack of security equipment, which often leads to violations of inmates' rights during their sentences. The legislation establishes different prison regimes—closed, semi-open, and open—depending on the inmate’s progress in the reintegration process. However, the lack of specific training for many prison staff compromises the effectiveness of resocialization programs. One of the key instruments for this reintegration is the criminological personality assessment, which allows understanding the inmate beyond the criminal act, considering internal and external factors that influence their behavior. This assessment is conducted upon the individual's entry into the prison facility and serves as the basis for planning a rehabilitation path tailored to their personal characteristics. Based on this assessment, inmates can be directed to appropriate programs for work, productive occupation, and psychological support, contributing to sentence individualization and decision-making regarding progression or regression in the prison regime. Angola has around 40 penitentiary institutions, classified into different categories, which reinforces the need for technical and personalized criteria in sentence management. The criminological assessment, therefore, proves essential in ensuring a humane and effective approach to inmates' social reintegration through the work of interdisciplinary technical commissions responsible for guiding and monitoring penal execution processes.
Keywords: Prison Facility; Criminological Examination; Inmate; Resocialization; Penitentiary System.
RESUMEN
El sistema penitenciario angoleño enfrenta desafíos significativos, como el hacinamiento, la subcultura carcelaria y la falta de equipos de seguridad, lo que a menudo resulta en la violación de los derechos de los reclusos durante el cumplimiento de la pena. La legislación establece diferentes regímenes penitenciarios—cerrado, semiabierto y abierto—según el progreso del recluso en el proceso de reintegración. Sin embargo, la falta de formación específica de muchos funcionarios penitenciarios compromete la eficacia de los programas de resocialización. Uno de los instrumentos fundamentales para esta reintegración es el examen criminológico de la personalidad, que permite comprender al recluso más allá del acto delictivo, considerando factores internos y externos que influyen en su comportamiento. Este examen se aplica en el momento de ingreso del individuo en el establecimiento penitenciario y sirve de base para la planificación de un proceso de resocialización adaptado a sus características personales. A partir de esta evaluación, es posible dirigir al recluso a programas adecuados de trabajo, ocupación productiva y apoyo psicológico, contribuyendo a la individualización de la pena y a la toma de decisiones sobre la progresión o regresión en el régimen penitenciario. Angola cuenta con alrededor de 40 establecimientos penitenciarios, clasificados en diferentes categorías, lo que refuerza la necesidad de criterios técnicos y personalizados en la gestión de la pena. El examen criminológico, por lo tanto, se revela esencial para garantizar un enfoque humanizado y eficaz en la reintegración social de los reclusos, mediante la acción de comisiones técnicas interdisciplinarias encargadas de orientar y monitorear los procesos de ejecución penal.
Palabras clave: Establecimiento Penitenciario; Examen Criminológico; Recluso; Resocialización; Sistema Penitenciario.
Nos últimos anos, o sistema penitenciário mundial tem enfrentado crises profundas, especialmente devido ao crescimento constante da população carcerária. No entanto, esse não é o único factor determinante; a má gestão dos sistemas prisionais, a insuficiência de investimentos em segurança e a aplicação inadequada da Lei de Execução Penal também contribuem significativamente para a deterioração do ambiente penitenciário.
Como consequência dessas ineficiências, as prisões sofrem com a superlotação, o que acarreta graves violações dos Direitos Humanos, afectando não apenas os detentos, mas também os agentes penitenciários. Estes profissionais são obrigados a trabalhar em condições insalubres e perigosas, tornando-se vulneráveis à contracção de doenças e, em casos extremos, à morte. Além disso, facções criminosas aproveitam essa vulnerabilidade institucional para recrutar novos membros, fomentando rebeliões e agravando o clima de instabilidade dentro das unidades prisionais.
Com a crescente precariedade do sistema penitenciário, observa-se um deficit significativo na segurança interna. A ausência de investimentos adequados resulta na insuficiência de equipamentos destinados às inspecções de celas, detentos e visitantes, comprometendo o controle da ordem e contribuindo para o aumento da violência nas penitenciárias. Essa falha estrutural reflecte o fracasso do sistema prisional na sua missão fundamental: a ressocialização dos reclusos.
O deficit na ressocialização é evidenciado pelo elevado índice de reincidência, especialmente entre os jovens. Tal cenário está directamente relacionado à carência de um programa educacional abrangente, capaz de promover o crescimento e o desenvolvimento intelectual dos detentos. Além disso, a falta de um programa estruturado de avaliação psicológica, conduzido por uma equipe interdisciplinar, compromete a análise integral do perfil do recluso, dificultando a implementação de estratégias eficazes de reintegração social.
Outro factor preocupante é a ausência de formação especializada entre os agentes responsáveis pela ressocialização. A falta de capacitação adequada representa um obstáculo significativo na elaboração e execução de programas de reabilitação, incluindo a aplicação de exames criminológicos e o desenvolvimento de fichas técnicas adaptadas à realidade do princípio da ressocialização.
Diante desse panorama, torna-se imperativo reformular as políticas prisionais, garantindo investimentos em infra-estrutura, segurança e programas educacionais e psicológicos. Somente por meio de uma abordagem interdisciplinar e humanizada será possível cumprir, de maneira eficaz, o propósito da execução penal: a reintegração social dos indivíduos privados de liberdade.
Este artigo propõe-se a analisar o papel do exame criminológico da personalidade no contexto penitenciário angolano, identificando suas limitações e potencialidades enquanto instrumento de humanização da pena.
O termo recluso tem origem no latim reclǖsu, que significa "aberto" ou "encerrado", sendo o particípio passado de reccludére – "abrir" ou "encerrar". Embora não haja um consenso absoluto sobre sua definição, diversos autores buscam conceituá-lo como sinónimo de preso, ou seja, aquele que cumpre pena privativa de liberdade (Bittencourt, 2011).
Apesar da ausência de unanimidade na conceituação, é possível identificar semelhanças nas definições existentes. Alguns estudiosos entendem o recluso como aquele que se encontra privado de liberdade, isolado do convívio social e vivendo em clausura (Greco, 2011).
No contexto jurídico angolano, a Lei Penitenciária (Lei n.º 8/08, de 29 de Agosto) define recluso como a pessoa privada de liberdade em decorrência de uma pena ou medida de segurança imposta por um tribunal. Essa legislação enfatiza a necessidade de que a execução das penas seja orientada para a reintegração social, visando a dignidade do indivíduo e sua ressocialização.
A pena é tradicionalmente compreendida como uma sanção imposta pelo Estado ao autor de uma infracção penal, com a finalidade de retribuição, prevenção e reintegração. Jesus (2012, p. 563) define pena como uma “sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante acção penal, ao autor de uma infracção, como retribuição do seu acto ilícito, consistindo na diminuição de um bem jurídico”.
Dotti (2013) reforça essa ideia, explicando que a pena consiste na perda ou restrição de bens jurídicos do infractor, como forma de punição e prevenção de novos delitos.
Do ponto de vista etimológico, o termo pena deriva do latim poena, significando castigo, punição, sofrimento e penitência (Bruno, 2009).
No ordenamento jurídico angolano, o conceito de pena está estabelecido no Código Penal Angolano (Lei n.º 38/20, de 11 de Novembro), que prevê diferentes modalidades de sanção, incluindo:
Pena de prisão, aplicada a crimes graves e regulada pelo artigo 44.º;
Pena de multa, alternativa à prisão em determinadas situações (artigo 47.º);
Penas alternativas, como prestação de serviços comunitários e suspensão da execução da pena (artigos 50.º e 56.º).
O Código Penal reforça a necessidade de que as penas observem os princípios da legalidade, proporcionalidade e dignidade humana, assegurando que a sanção contribua para a reabilitação do condenado e a segurança da sociedade.
A Ressocialização
A ressocialização consiste na reintegração do indivíduo ao convívio social por meio de políticas educativas e humanísticas. Betoni (2014) destaca que esse processo visa restaurar a consciência social do condenado, tornando-o apto ao cumprimento de normas compartilhadas.
Para Bitencourt (2001, p. 139), a ressocialização tem como objectivo fundamental “esperar do delinquente o respeito e a aceitação das normas sociais, evitando a reincidência de novos delitos”.
Dias (2009) complementa, argumentando que a ressocialização promove a inclusão social daqueles que desviaram de condutas aceitáveis pela sociedade.
Segundo Almeida (2020), a ressocialização deve ser estruturada como um projecto reeducador, resgatando a dignidade humana do condenado e sua auto-estima. Para alcançar esse propósito, é essencial a implementação de acompanhamento psicológico, capacitação profissional e incentivos sociais. Além disso, a participação activa da sociedade na inclusão do condenado favorece a redução do preconceito e reforça sua reintegração efectiva no meio social.
No sistema penitenciário angolano, a ressocialização é um dos princípios fundamentais da execução das penas privativas de liberdade, conforme estabelecido na Lei Penitenciária (Lei n.º 8/08, de 29 de Agosto). Esse conceito refere-se ao processo de reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir sua vida de maneira socialmente responsável após o cumprimento da pena.
Processo de Ressocialização na Penitenciária
A ressocialização do recluso exige uma abordagem integrada entre Estado, sociedade, família e o próprio apenado para que a execução penal contribua efectivamente para sua reinserção social (Nery, 2006).
Segundo Nery Junior e Nery (2006), o Estado deve adoptar medidas preparatórias para o retorno do condenado à sociedade.
Baratta (2011) defende o termo reintegração social, enfatizando que a ressocialização deve envolver todas as instâncias sociais, minimizando o impacto do cárcere sobre o indivíduo. Já Molina (2008) conceitua a ressocialização como uma intervenção positiva que prepara o condenado para retornar à sociedade sem traumas ou limitações.
Apesar da existência de um arcabouço legal voltado à ressocialização, sua implementação prática ainda é deficiente, sendo sustentada apenas por iniciativas pontuais de gestores prisionais e organizações sociais (Mayer, 2006). Bittencourt (1996) ressalta que a ressocialização é apenas uma das finalidades da pena, e que sua concretização depende de outros mecanismos sociais, como família, escola e instituições religiosas.
Programas de Ressocialização
a) Etapas Iniciais da Ressocialização
A ressocialização deve ser iniciada no começo do cumprimento da pena, a fim de garantir resultados efectivos até o final da execução. O objectivo primordial desse processo é restaurar a auto-estima e a dignidade do apenado, por meio de aconselhamento, criação de condições para o crescimento pessoal e desenvolvimento de projectos que visem ao aproveitamento profissional (Beccaria, 2007).
Contudo, é crucial prevenir a prática de acções delituosas desde cedo. Isso pode ser alcançado através de uma educação de qualidade, correcção adequada e sempre que possível, e um diálogo constante, conforme também defendido por Beccaria (2007).
b) Avaliação das Condições do Estabelecimento e Garantia de Direitos
A ressocialização transcende a mera reeducação para que o apenado adopte um comportamento socialmente aceitável. Ela visa, sobretudo, à reinserção social eficaz, provendo mecanismos e condições para que o apenado retorne à comunidade sem traumas (Beccaria, 2007). Isso implica também na avaliação contínua das condições prisionais e na garantia dos direitos dos reclusos.
c) A Ressocialização de Reclusos Através do Trabalho
No sistema prisional actual, as actividades exercidas pelos detentos muitas vezes não os preparam adequadamente para o retorno ao convívio social, pois o conhecimento técnico necessário para a reinserção social não é devidamente transmitido. É imperativo reorganizar a aplicação do trabalho, de modo que, além de ocupar o tempo ocioso, prepare esses indivíduos para escolhas mais conscientes e transformadoras.
O estudo e o trabalho devem ser activamente incentivados por meio de parcerias e convénios com empresas públicas ou privadas, visando à formação profissional dos condenados (Beccaria, 1998).
d) O Ócio Prisional
O termo "ócio" remete a tempo livre, descanso e tranquilidade, podendo também significar uma ocupação suave e prazerosa. Este tempo ocioso, inerente ao quotidiano prisional, poderia ser estrategicamente utilizado para oferecer ao condenado condições favoráveis ao seu retorno à sociedade. Isso inclui a provisão de educação, trabalho e a aprendizagem de regras de convívio harmonioso.
A utilização produtiva do tempo ocioso é fundamental para evitar que os reclusos arquitectem novos crimes, alimentem sentimentos de raiva e vingança contra a sociedade, aliem-se a elementos de alta periculosidade ou planejem rebeliões e fugas, factores que frequentemente levam à reincidência criminal após a libertação (Beccaria, 1998).
Modelos de Prisão
A legislação angolana, por meio da Lei n.º 25/15, categoriza os regimes prisionais em três modelos distintos:
Os fins das penas podem ser mediatos ou imediatos. Os fins mediatos ou últimas das penas identificam-se com a finalidade do próprio Direito Penal e traduzem-se na tutela dos valores e interesses que «em certo povo e em certo momenta se julgam merecedores de protecção, do direito em geral e do Direito Penal em especial, (Rodrigues, 2014)
Segundo Rodrigues, (2014) Finalidades: As finalidades da pena são explicadas por três teorias. Vejamos cada uma delas:
Kant (1781) um fundamento racional a doutrina entendeu que A pena, segundo ele, justifica-se por um imperativo categórico de justiça. Que e, ela própria, substancialmente, igualdade. Precisamente por isso, o mal da pena deve ser igual ao mal do crime. Aplicando-se ao criminoso uma pena a medida do crime, a pena realiza o imperativo de justiça e o fim imediato para que foi estabelecida.
Organização e Funcionamento do Serviço Penitenciário
O Serviço Penitenciário Angolano é dirigido por um Director-geral, nomeado pelo Presidente da República, e auxiliado por Directores-Gerais-Adjuntos, conforme o Decreto Presidencial n.º 32/18, de 7 de Fevereiro (Manuel, 2017). Suas principais responsabilidades incluem:
Além da gestão operacional das unidades prisionais, o Director-Geral tem atribuições estratégicas, como:
A estrutura e o funcionamento do Sistema Penitenciário seguem directrizes estabelecidas no Regulamento Orgânico Próprio, conforme o Decreto Presidencial n.º 184/17, de 11 de Agosto (Manuel, 2017).
Atribuições do Serviço Penitenciário Angolano
O Decreto Presidencial n.º 184/17, de 11 de Agosto, define as seguintes atribuições para o Serviço Penitenciário Angolano:
Garantir a aplicação da legislação: assegurar que a Constituição da República, leis e regulamentos sejam aplicados na execução das penas e outras medidas privativas de liberdade. Implementar políticas de reabilitação: aplicar as políticas de reabilitação e reintegração social de cidadãos condenados.
Controlar a população prisional: promover o controlo efectivo da população penitenciária.
Gerir internamento específico: orientar e dirigir o internamento de reclusos de difícil correcção em estabelecimentos penitenciários adequados.
Orientação metodológica: fornecer orientação metodológica aos estabelecimentos penitenciários sobre a aplicação de normas e regulamentos no tratamento de reclusos.
Cooperação institucional: cooperar com instituições congéneres para intercâmbio e colaboração, conforme a política superiormente definida.
Formação profissional: promover a formação e aprimoramento técnico-profissional do efectivo.
Parcerias estratégicas: estabelecer protocolos de intercâmbio e cooperação com organismos dos sectores produtivo (público e privado) para apoio e experiências tecnológicas, visando à formação da população penal e ao funcionamento do órgão.
Outras atribuições legais: desempenhar quaisquer outras atribuições determinadas por lei ou superiormente.
Estrutura do Serviço Penitenciário e a Direcção de Controlo Penal
O Decreto Presidencial n.º 184/17, de 11 de Agosto, estabelece que a estrutura e organização do Serviço Penitenciário são adequadas para os desafios actuais. Entre os seus órgãos, destaca-se a Direcção de Controlo Penal (DCP).
Direcção de Controlo Penal (DCP)
A Direcção de Controlo Penal (DCP), conforme o Decreto-Lei n.º 215/2012, é o órgão executivo responsável pelo controlo da situação jurídico-penitenciária dos reclusos. Sua missão abrange a gestão processual, o controlo do tempo de permanência e a actualização dos registos penais, biográficos e estatísticos dos reclusos. A DCP também assegura o cumprimento da legalidade na execução das medidas privativas de liberdade.
Funcionalmente, a DCP é apoiada pelos seguintes departamentos:
Departamento de Controlo e Gestão de Recluso
Departamento de Análise e Estatística
Departamento de Registo Digital
Atribuições da Direcção de Controlo Penal
O Decreto-Lei n.º 215/2012 especifica as seguintes atribuições para a Direcção de Controlo Penal:
Gestão de dados prisionais: gerenciar processos e o tempo de permanência da população penal, organizar o ficheiro central e manter actualizados os registos penais, biográficos e estatísticos, incluindo os processos individuais dos reclusos.
Desenvolvimento tecnológico: promover a criação e o desenvolvimento de sistemas tecnológicos para maior eficiência no registo, identificação e gestão de dados, controlo de processos individuais, distribuição de matrículas, obtenção de imagens e captação de dados dactiloscópicos e biométricos dos reclusos.
Fiscalização da legalidade: zelar e garantir o cumprimento da legalidade na execução das medidas privativas de liberdade.
Intercâmbio de informações: assegurar e fiscalizar a troca de informações relevantes entre estabelecimentos penitenciários e órgãos de instrução processual, penal e judicial, especialmente em relação aos prazos de prisão preventiva e a quaisquer alterações no cumprimento das medidas privativas de liberdade.
Controlo físico da população penal: velar pela realização de controlo físico periódico e nacional, cooperando na contagem diária e obrigatória da população penal.
Actualização de registos: garantir a actualização da ficha diária e da ficha de prisão preventiva, visando o aprimoramento dos níveis de controlo do tempo de permanência.
Emissão de pareceres: emitir pareceres sobre matérias da sua especialidade sempre que necessário e solicitado superiormente.
Outras atribuições legais: desempenhar as demais atribuições que lhe forem conferidas por lei ou determinadas superiormente.
Direcção de Penas Alternativas e Reinserção Social no Sistema Prisional angolano
Diante das transformações sociopolíticas e econômicas, tornou-se necessário repensar os modelos de penalização em Angola. Nesse contexto, a Direcção de Penas Alternativas e Reinserção Social (DPARS) assume a missão de executar penas alternativas, formular políticas de reinserção social e aplicar metodologias de reabilitação psicológica, espiritual e social do recluso, especialmente no período pós-institucional (Manuel, 2017).
Atribuições da DPARS
Segundo Manuel (2017), a DPARS tem diversas funções estratégicas, entre as quais destacam-se:
A actuação da DPARS é essencial para humanizar o cumprimento das penas, promovendo a ressocialização efectiva do condenado e reduzindo a reincidência criminal. No entanto, o êxito dessas políticas depende de infra-estrutura adequada, cooperação interinstitucional e engajamento social na reintegração dos reclusos.
Diplomas Legais Reguladores do Processo de Execução das Penas no Sistema Prisional Angolano
1. Reforma prisional de 1836
· Decreto-Lei n.° 26 643 de 28 de Maio de 1936
Diploma legal de feição modernista com clara influência das ideias filantrópicas e humanitárias da filosofia alemã dos finais do século XVIII, com finalidades preventivas especiais, que refundou as bases do sistema progressivo, conferindo maior visibilidade ao instituto da Liberdade Condicional, actualmente utilizado a título subsidiário à Lei Penitenciária.
2. Lei Penitenciária
· Lei n.° 8/08 de 29 de Agosto de 2008
Constitue a principal legislação em matéria de execução de pena elaborada em Angola no período pós-independência, com evidentes influências da doutrina luso-espanhola, reflectindo em apoteose a ideia da humanização e ressocialização dos condenados. Sendo meritória a sua indispensabilidade na gestão do Sistema Penitenciário, carece, contudo, de actualizações, em razão da dinâmica social e da necessidade de atender a um conjunto de novos institutos a serem introduzidos pelo esperado novo Código Penal.
Princípios Jurídicos Fundamentais Inerentes à Execução das Penas Privativas de Liberdade
Não obstante, no plano operacional, atenda aos quatro princípios jurídicos fundamentais inerentes à execução das penas privativas de liberdade, conforme se enuncia a seguir:
Princípio da Ressocialização do Recluso: a execução das medidas privativas de liberdade deve nortear a reintegração dos reclusos na sociedade, prepará-los para no futuro conduzirem as suas vidas de modo socialmente responsáve;
Princípio da Não-Discriminação: na execução das medidas privativas de liberdade não há qualquer diferenciação de natureza social, religiosa, ideológica ou em razão do sexo, nível de instrução, situação económica, origem, língua ou raça;
Princípio do Reconhecimento da Dignidade do Recluso: na execução das medidas privativas de liberdade o recluso deve ser tratado com dignidade, própria à pessoa humana, sendo-lhe reconhecidos os seus direitos fundamentais;
Princípio da Prevenção Geral e Especial: a execução das medidas privativas de liberdade deve orientar-se também na defesa da sociedade e do Estado, bem como prevenir que o recluso regresse à prática de crimes.
Actuação do Servidor Penitenciário no Sistema Penitenciário Angolano
Actualmente, Angola conta com cerca de 40 estabelecimentos penitenciários, divididos em: complexos penitenciários, estabelecimentos regionais, centrais, especiais e destacamentos de produção. Entre os estabelecimentos especiais, destacam-se:
Penitenciário para Jovem Adulto (para menores de 21 anos e maiores de 16);
Penitenciário Feminino, com estrutura adaptada para gestantes e mães encarceradas (Manuel, 2017).
O Estado tem investido recursos na reconstrução de infra-estruturas prisionais e na capacitação académico-científica dos operadores penitenciários. No entanto, o desafio da sobrelotação prisional compromete significativamente a eficácia das acções de reabilitação e assistência, agravando problemas como falta de saneamento básico, dificuldades de higiene e precariedade na acomodação.
Além da superlotação, há problemas como:
Lentidão nas decisões judiciais, prolongando a prisão preventiva e aumentando tensões dentro das unidades;
Falta de formação especializada, impactando negativamente o processo reabilitativo;
Deficitária aplicação das regras de reinserção, gerando instabilidade nos estabelecimentos prisionais.
A condição de encarceramento pode provocar impactos psicológicos severos, exigindo preparo especializado dos servidores penitenciários em áreas como Psicologia Clínica. Segundo o DSM-IV (V62.5), o encarceramento pode desencadear transtornos psicológicos associados à adaptação ao ambiente prisional (Manuel, 2017).
Diante dessas dificuldades, a Direcção Penitenciária busca melhorias estruturais e metodológicas, observando normas internacionais como as Regras de Mandela, que prevêem a prisão como um instrumento de prevenção geral e especial do crime. O foco deve ser a reintegração social, garantindo ao recluso condições adequadas para reinserção na sociedade.
A Materialização do Exame Criminológico no Processo de Ressocialização do Recluso no Âmbito da Criminologia Clínica e Psicologia Criminal
O Exame Criminológico da Personalidade é um instrumento essencial na criminologia clínica e psicologia criminal, pois avalia o recluso em múltiplas dimensões, indo além da pena aplicada. Seu objectivo central é entender o indivíduo como pessoa, considerando seus valores, sonhos e comportamentos, para definir a pena e os métodos de ressocialização mais adequados.
Esse exame é interdisciplinar e realizado no momento da entrada do recluso no estabelecimento prisional. Ele permite individualizar a execução da pena, adequando o processo de reintegração social às características específicas do condenado. Após a análise, diferentes sectores elaboram laudos técnicos que servem de base para progressões e regressões no regime prisional.
O exame não apenas determina a aplicação de uma pena apropriada, mas também viabiliza planos personalizados de ressocialização, promovendo um retorno mais estruturado do recluso à sociedade.
Estrutura do funcionamento do exame criminológico da personalidade
Nome
Afiliação |
Profissão
Psicólogo |
Tarefas a desenvolver Preenchimento do nome e afiliação do recluso no exame |
Perigosidade |
Psicólogo Criminal, Jurista, Criminólogo, Psicólogo Clínico |
Realizar exames psicológicos, como terapias e outros, e analisar o nível de perigosidade que o recluso apresenta fora e dentro do estabelecimento prisional |
Maturidade |
Psicólogo Clínica |
Teste de raciocínio lógico, concentração, distracção, stress, gestão do tempo. |
Prognóstico de novas práticas |
Criminólogo |
Para melhor compreensão do recluso, deve- se estudar o condenado, o seu comportamento antes e depois de cometer o crime, para estabelecer novas propostas de ressocialição para que não haja prognósticos de novas práticas. |
Último emprego |
Sociólogo, Criminólogo, Jurista. |
Entrevistar o recluso para colheita de informações, se possível ir à última empresa que trabalhou. O Sociólogo poderá estudar a questão do ambiente prisional, subcultura prisional, a sobrelotação prisional. |
Perfil |
Psicólogo Criminal, Criminólogo |
Definir o perfil do recluso para uma individualização da pena adequada ao seu perfil. |
Regimes aberto Regime semi-aberto Regime fechado
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Criminólogo, Jurista. |
O Criminólogo deve avaliar e estudar o cumprimento e o incumprimento dos regimes. O Jurista deve verificar se os direitos dos reclusos, estão a ser salvaguardados a quando a execução da pena . Deve-se cumprir o que está na lei. |
Sanidade mental. Outras patologias |
Psicólogo, Psiquiatra, Médico |
Exame de QI e outros exames. |
Reincidência
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Sociólogo, Assistente Social, Criminólogo. |
Avaliar o impacto da subcultura prisional a quando o cumprimento da pena, acompanhamento pós pena, e avaliar a probabilidade de rescindir. |
Fonte própria.
A implementação do exame criminológico da Personalidade e a dinâmica da interdisciplinaridade vai contribuir de forma significativa na ressocialização e reintegração dos reclusos na sociedade, uma vez que os reclusos serão estudados em várias dimensões e de forma exógena e endógena da pessoa do condenado, permitindo assim poucas probabilidades de rescindência.
Comissão Técnica Interdisciplinar do Estabelecimento Prisional
Deverá fazer as seguintes diligências:
1- Realizar avaliação técnica interdisciplinar da pessoa, personalidade, histórico pessoal e antecedentes do recluso, quando da chegada ao estabelecimento prisional a fim de conhecer e definir seu perfil para orientar a individualização da execução.
2-Elaborar os programas individualizadores de execução de pena, preocupando-se por ajustá-los ao perfil dos presos.
3-Acompanhar esses programas, revê-los, actualizá-los e avaliar sua eficácia.
4-Realizar a avaliação técnica interdisciplinar da conduta dos presos, sempre devidamente assessorada pelos profissionais de segurança, avaliação essa da qual faria parte tradicional ´´ atestado de boa ou má conduta, para instruir pedidos de benefícios.
Ficha de avaliação psicológica
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RELATORIO FICHA DE AVALIAÇÃO PSICOLOGICA |
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Ficha de avaliação de sociologia
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Renda familiar |
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CONCLUSÃO
O exame criminológico não representa um veredicto final, mas sim um instrumento crucial para auxiliar na progressão e regressão de regimes, bem como na concessão de outros benefícios aos reclusos. Ao analisar o perfil do condenado, este exame verifica a probabilidade de reincidência e a capacidade de reintegração social, fornecendo elementos essenciais para a individualização da pena.
No âmbito desse exame, são considerados diversos aspectos como comportamento, personalidade, histórico social e familiar, saúde mental e outras patologias, com a participação de profissionais como assistentes sociais, dependendo das necessidades de cada estabelecimento prisional. Essa dinâmica permite identificar factores que podem influenciar a probabilidade de reincidência dos reclusos.
As decisões de progressão e regressão de regimes, baseadas no exame criminológico, visam primordialmente à reintegração social do condenado. Ao permitir que o indivíduo cumpra a pena em condições menos rigorosas, ele pode se preparar para a vida em liberdade, com o objectivo de uma reintegração eficaz, retornando à comunidade sem traumas e com a auto-estima resgatada. Dessa forma, o exame criminológico contribui significativamente para a humanização, reabilitação, ressocialização e reintegração do recluso, tanto dentro quanto fora do estabelecimento prisional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Baratta, A. (2011). Ressocialização ou controle social: uma abordagem crítica da “reintegração social” do sentenciado. Revista Crítica do Direito.
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